Naquele tempo o professor era um deus. Estava acima do bem e do mal. Lembro-me de um catedrático, cujo nome não revelo, que nos ministrou uma única aula, por sinal magnífica, em que passou a bibliografia e a pesquisa e se foi para Paris, onde era professor visitante na Sorbonne. Não voltou. No fim do semestre, a assistente nos procurou para recolher os trabalhos, que foram corrigidos por ela. Hoje isso seria inadmissível. A bibliografia toda em línguas estrangeiras e os livros ou revistas tinham de ser consultados na Biblioteca Nacional. Eles eram deuses. Só me lembro de um aluno que, depois de receber a nota, desacatou a professora: e foi expulso da faculdade! Professores absolutos, autocráticos, por isso o ensino era tão bom, tinha o grau de excelência. Para ingressar no magistério universitário não havia concurso (exceto o catedrático), mas indicação. Um colega nosso, já falecido, o Ítalo, foi convidado por dois catedráticos. Ela era bem mais velho do que nós e era mulato. Usava umas grossas lentes de óculos, quase cego. Falava várias línguas, tocava piano, um gênio. Conhecimento musical imenso. Lembro-me dele falando sobre a “Paixão segundo São Mateus” de Bach. Tínhamos colegas e contemporâneos extraordinários. Alguns ficaram famosos, como José Guilherme Merquior, dois anos mais velho, que fazia Filosofia e Direito. Merquior parecia um menino quando proferia aulas e conferências sobre estética. Era uma época de deuses, mas a maioria se dissipou e sucumbiu no magistério mal-remunerado, alguns presos, outros mortos ou torturados. A decadência de nossa geração se deve à decadência do magistério e ao rebaixamento da autoridade do professor.