O prego e o rinoceronte – resistências na literatura brasileira, de Regina Dalcastagnè, da Unb
O prego e o rinoceronte – resistências na literatura brasileira, de Regina Dalcastagnè, da Unb

[Regina Dalcastagnè]

Os trajetos que sigo neste livro são partes de pesquisas mais extensas sobre a literatura contemporânea realizadas nos últimos anos, onde tentei pensar as tensões e as consequências das desigualdades sociais no campo literário brasileiro, um espaço hierarquizado e em disputa, como todos os outros. Por isso o recorte sobre nossas resistências, porque fazer e estudar literatura de forma crítica em um país tão violento como o Brasil é, desde sempre, resistir. E é, também, lembrar, porque o nosso esquecimento é a mais poderosa arma dos grupos dominantes. Quando esquecemos nossa história, nossa cultura, nossas lutas coletivas, estamos realmente sozinhos e sozinhos somos mais fracos.

Dividido em duas partes, que dialogam e se complementam, este livro se inicia com uma reflexão sobre os objetos na literatura brasileira contemporânea. Com foco nas relações de classe e um olhar sobre outros projetos artísticos e fotográficos, o primeiro capítulo pensa o significado e as múltiplas implicações da presença, ou mesmo da ausência, dos objetos na vida das personagens. O vínculo com a memória, muitas vezes marcado em sua superfície porosa, se estende para os dois capítulos seguintes, onde se discute a própria escrita como objeto: primeiro, a partir de um antigo manuscrito memorialístico, que nos permite refletir sobre a importância dada à palavra para a confirmação de nossa existência. Depois, com a leitura de um conjunto de cartas que se estendem por mais de 10 anos e falam de uma amizade que atravessou o Atlântico e foi abrigo em meio à opressão. Já o quarto capítulo fala da difícil representação de crianças em meio a guerras, sempre soterradas pelo esquecimento ou pelo excesso de informação, sempre faladas por um outro.

A segunda parte do livro reúne textos que expressam mais diretamente as diferentes formas de resistência na literatura brasileira. Para isso, retorna ao século XIX, ao Cortiço, de Aluísio Azevedo, e ao Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, romances e autores que não podem ser ignorados por quem pretende refletir sobre as desigualdades no espaço urbano e o preconceito de classe, raça e gênero – questões que parecem cada vez mais distantes de serem resolvidas, ou ao menos amenizadas, no país. Na sequência, e dando continuidade à discussão proposta a partir dos dois romances naturalistas, há um capítulo sobre a permanência do discurso racista na literatura e suas alternativas, a partir de uma extensa pesquisa sobre as personagens do romance brasileiro contemporâneo e da leitura em profundidade de obras que se propõem a abordar o tema de forma crítica. O capítulo seguinte se debruça sobre a luta diária de personagens pobres, negras, mulheres, trabalhadoras contra as diferentes exclusões vivenciadas por elas junto aos muros invisíveis da cidade.

O livro se fecha com um capítulo sobre as respostas possíveis oferecidas por escritores e artistas plásticos brasileiros de diferentes períodos ao problema da crise da representação – instaurada a partir do momento em que o criador adquire consciência de que impõe um discurso sobre seu objeto, o qual deve permanecer em silêncio para que ele possa falar melhor. São analisadas, comparativamente, as obras de Samuel Rawet e Oswaldo Goeldi, Autran Dourado e Iberê Camargo, e Sérgio Sant’Anna e João Câmara, buscando-se compreender a mediação exercida pelo artista entre o espectador/leitor e o objeto representado. Uma mediação que parece passar quase sempre pelo desconforto, seja do autor diante de seu objeto, seja do próprio objeto em cena, seja na construção da linguagem – que pode exigir, também, o deslocamento do leitor/espectador de sua zona de segurança.

Regina Dalcastagnè - professora da Universidade de Brasília (UNB)

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