Carlos Evandro M. Eulálio

                                                                      
“Eu recebi o dinheiro e coloquei o mesmo nas minhas vestimentas em função da minha segurança. Eu não uso pasta”. Essa declaração é do deputado Leonardo Prudente, (DEM-DF), investigado pela Polícia Federal na Operação Caixa de Pandora, feita em Brasília, no dia 30 de novembro de 2009, numa entrevista coletiva dada às principais emissoras de rádio e televisão do país.
O que queremos aqui comentar não é o grotesco da afirmação do deputado, mas o emprego da palavra “mesmo” que, nesse caso, é considerado inadequado, na visão de alguns gramáticos, para os quais o correto seria que ele dissesse: “Eu recebi o dinheiro e o coloquei nas minhas vestimentas.”
Mas não é só o deputado que comete esse tipo de erro. Lemos com frequência a seguinte frase colocada em placas de elevadores: “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar”. Dever-se-ia ler: “Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado neste andar.”
 Eduardo Martins, na segunda edição da obra “O Português simplificado”, afirma que “é errado o uso de mesmo com artigo para substituir substantivo ou pronome, em frases como A moça voltou de viagem hoje e a mesma fará vestibular amanhã.” O autor sugere que o pronome ela, que nem é necessário nesse caso, poderia substituir a expressão a mesma. Cegalla, no “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa”, é taxativo: “Evite-se empregar mesmo como substituto de um pronome, em frases do tipo: “Não suportando mais a dor, procurei o dentista, mas o mesmo tinha viajado.” Leia-se: “...procurei o dentista, mas ele tinha viajado.”
Afinal, como classificar gramaticalmente essa expressão? O Dicionário escolar da língua portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, em sua mais recente edição, classifica o termo como:
1. pronome demonstrativo: Ele não é mais o mesmo.
2. adjetivo: O casal tem os mesmos gostos.  
3. Como substantivo masculino: Não busca mudanças, contenta-se sempre com o mesmo.
4. Como advérbio: Volto amanhã mesmo. 
5. conjunção: Mesmo derrotado nas urnas, cumprimentou os eleitos.  
Maria Helena de Moura Neves diz que “mesmo” tem valor demonstrativo quando é reforçador de identidade: “Ela mesma não sabia nada de si...”  e indicador de identidade idêntica, como no exemplo de Moacir Scliar: “Quando o meu gracioso soberano tornou-se violento, achei que era meu dever sujeitá-lo com o mesmo sistema de coerção que teria usado em um de seus jardineiros.”
Celso Cunha classifica mesmo como substituto de pronome demonstrativo, quanto tem o sentido de “exato”, “idêntico”, “em pessoa”: “Eu não posso viver muito tempo na mesma casa, na mesma rua, no mesmo sítio.”  
Napoleão Mendes de Almeida, ao enumerar as várias possibilidades do uso correto do demonstrativo “mesmo”, com ironia, imagina Camões a escrever os versos doconhecidíssimo soneto “Sete anos de pastor Jacó servia”:  “Mas não servia ao pai, servia a ela / E a ela só por prêmio pretendia”, desta forma:
               Mas não servia ao pai, servia à mesma
               Que a mesma só por prêmio pretendia.
Evanildo Bechara, com mais condescendência, limita-se a constatar que por mera escolha pessoal alguns estudiosos condenam o emprego anafórico do demonstrativo “mesmo.” E cita exemplo de autores que reescreveram seus textos, como E. Friero: “Costuma-se escrever dentro dos livros, na folha de guarda, palavras alusivas aos mesmos”, alterado para “Costuma-se escrever dentro dos livros, na folha de guarda, palavras a eles alusivas.” Fica, pois, a lição dos nossos renomados gramáticos: nunca use a palavra “mesmo(a)”, fazendo referência a um antecedente, sendo nesse caso mais correto substituí-la por pronomes pessoais retos ou pronomes oblíquos.  
 
CONSULTE:
 
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 162.
 
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteiro, 2009, p.168
CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa: edição de bolso, Rio de Janeiro: Lexikon, 2007, p. 267
 
CUNHA, Celso. Nova Gramática do português contemporâneo. 5ª.ed.Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, p.356.
Dicionário escolar da língua portuguesa / Academia Brasileira de Letras. 2ª.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006, p. 851
 
MARTINS, Eduardo. Com todas as letras – O português simplificado. 2ª.ed. São Paulo: Moderna, 2009, p. 94
 
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de Usos do Português. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 492.
 
PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz.  O mesmo. In www.kplus.com.br, acessado em 23.2.2010.