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 O DNA do passado

Rogel Samuel

Augusto dos Anjos escreveu um soneto chamado “Debaixo do Tamarindo”que aqui transcrevo:
“No tempo de meu Pai, sob estes galhos, / Como uma vela fúnebre de cera, / Chorei bilhões de vezes com a canseira / De inexorabilíssimos trabalhos! / Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos, / Guarda, como uma caixa derradeira, / O passado da Flora Brasileira / E a paleontologia dos Carvalhos! / Quando pararem todos os relógios / De minha vida e a voz dos necrológios / Gritar nos noticiários que eu morri, Voltando à pátria da homogeneidade, / Abraçada com a própria Eternidade / A minha sombra há de ficar aqui!”
As pessoas sempre se esquecem de que o poeta era muito novo quando escreveu. Morreu com 29 anos! E o último verso: “a minha sombra há de ficar aqui!” marca que não será senão uma sombra “abraçada com a própria Eternidade” daquela “pátria da homogeneidade” de que ele fala.
A noção de “Eternidade” reside não só na árvore (genealógica?), mas na sombra da árvore. É um DNA do passado que ele vê ali naquela relíquia da flora brasileira.
Outro dia, minha amiga C. de São Paulo mandou-me por email um texto da escritura budista tradicional que diz, na minha tradução:
“O que nasce vai morrer, O que se reuniu será dispersado, O que foi acumulado se gastará, O que foi construído se destruirá, E o que é elevado será rebaixado.”
Eu já tinha lido isto em outro lugar. Parece que pertence ao “Dhamapada” na versão chinesa. Trata da não permanência de todas as coisas. É uma temática também recorrente no classicismo. Onde estão os amigos de infância? Eda adolescência, quando havia uma turma animada e agressiva? Onde estão? Os amigos de faculdade se separaram. Até os casais se separam. Novas reuniões se fazem, sim, é certo. Mas onde está aquilo que faz com que tudo passe, tudo morra, tudo se gaste e se destrua? Está no tempo? Que é o tempo?
Hannah Arendt certa vez disse que depois da destruição do império romano, nada pode ser considerado eteno.
É por isso que o Poeta escreveu que sob aquela sombra esteve “com a canseira De inexorabilíssimos trabalhos!”
A Eternidade cansa!