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Horácio Queirós de Matos (Chapada Velha de Brotas de Macaúbas, 18 de março de 1882 — Salvador, 15 de maio de 1931) foi um político e coronel do sertão baiano da primeira metade do século XX.

Horácio de Matos foi chefe de verdadeiro exército de jagunços, envolvendo-se em diversas lutas armadas ao longo da vida - inclusive de forma capital na perseguição à Coluna Miguel Costa-Prestes, até ser assassinado durante a Era Vargas.

Surgimento do "Governador do Sertão"
 Panorama de época
Na Bahia de fins do século XIX e começo do XX havia uma clara distinção entre a vida no interior e a vida litorânea. Enquanto naquela os grandes ermos pouco povoados, de cidades esparsas, marcavam boa parte do território, no segundo a vida era plenamente integrada às lutas e realidade nacionais.

Mas o sertão não era uma unidade: A Chapada tinha uma realidade diversa daquela que gerara Canudos e seu Conselheiro. Em Caetité vivia-se, no dizer de Teodoro Fernandes Sampaio, qual uma "Corte do Sertão"[1] - com imprensa ativa, energia elétrica, etc[2] Era ali, na figura das facções existentes, que buscara apoio Militão Coelho, junto ao chefe Deocleciano Pires Teixeira (pai de Anísio Teixeira), como a família Matos tivera em Bráulio Xavier e Rui Barbosa.[3] Na extensão do São Francisco outras tantas culturas se formavam. Feira de Santana era como que um elo de união desses mundos diversos e a Capital.

A região da "Chapada", essencialmente mineradora e povoada por aventureiros de todas as partes do mundo, construía um mundo de "bambúrrios e quimeras", como no título da obra do historiador Erivaldo Fagundes Neves[4].

Comumente chamada genericamente de "Lavras", compreendia um vasto território no meio do estado, com antigas vilas como Rio de Contas e Brotas de Macaúbas. Isolados nichos de civilização, foi num distrito desta última que nasceu a legendária figura de "Horácio de Matos" - um homem que desafiou o governo do litoral, que tratava diretamente com os governadores, e que durante um quarto de século dominou com mão de ferro os sertões da Chapada Diamantina e da Chapada Velha, onde vivia o clã dos Matos[5].

A família e o "Código de Honra"
 
Clementino Matos, tio de Horácio, que lhe passou o poder.Já aos 15 anos de idade demonstra sua bravura: seu pai e os irmãos mais velhos tinham saído e a fazenda é invadida por uma patrulha da polícia baiana, do Tenente Policarpo, que ameaça o garoto para que revele onde estavam os diamantes e os familiares. Horácio nega-se a falar.[6]

Sua família, chefiada pelo coronel Clementino Matos, mantém longa inimizade com o coronel Militão Rodrigues, de Barra do Mendes. Sob os auspícios de seu parente, vai morar na então próspera cidade de Morro do Chapéu, onde recebe a proteção do coronel Dias Coelho, estabelecendo-se ali como comerciante.[6]

O coronel compra para o seu afilhado a cobiçada patente de tenente-coronel da Guarda Nacional, ganhando assim um verdadeiro título nobiliárquico com que a República Velha dotava seus destaques[5].

Em 1912 Horácio é chamado pelo velho coronel Clementino, que encontrava-se moribundo. Ali, num ritual familiar, recebe o comando da família - tal como se vê nas representações da Cosa Nostra siciliana - sendo nomeado seu sucessor. Horácio então, com uma grande palmatória, dá "bolos" em os demais membros da família, para que todos sintam-lhe a nova autoridade[5].

Jura, porém, antes, cumprir o código de honra familiar, que rezava:

Não humilhar ninguém, mas também nunca se deixar humilhar, por quem quer que seja;
Não roubar jamais, sejam quais forem as circunstâncias, nem permitir que alguém roube e fique impune;
Ser leal com os parentes e amigos, protegendo-os sempre;
Ser leal com os inimigos, respeitando-os em tempos de paz e enfrentando-os em tempos de guerra;
Não provocar, nem agredir, mas se for ofendido, colocar a honra acima de tudo e reagir, porque de nada adianta viver sem a dignidade[5].

O novo comandante dos Matos
Tão logo assume o poder patriarcal, Horácio vai em segredo até o arquiinimigo do clã, propondo uma trégua, que é aceita pelo coronel Militão. Essa trégua permitiu que famílias de Brotas de Macaúbas e Barra do Mendes, durante muitos anos afastadas, viessem a se visitar e se conhecer. Horácio começa a se projetar como líder, quando evita as pretensões de Militão, quando da morte do Coronel José João de Oliveira, em Brotas, em ocupar maior espaço de domínio[5]. Entretanto, a paz dura até o assassinato de seu irmão, Vítor Matos, na noite de 4 de dezembro de 1914. Finda a trégua na Chapada[5].


Vítor Matos contava já com dezenas de mortes em seu histórico e assassinou uma moça e um homem que era cunhado do jagunço chamado Juvenal Cuscus, protegido do chefe político da localidade de Campestre (hoje distrito de Seabra, mas então um município), Manuel Fabrício.[3]

Em dezembro de 1914 Vítor é morto com dois tiros de winchester por Cuscus, que refugia-se em Campestre. Apesar de a família exigir a pronta vingança, Horácio defende a resolução do conflito pela justiça, mas as intimações são rasgadas em praça pública. Em junho do ano seguinte Horácio protesta ao governador, mas não obtém resposta.[3]

Horácio decide, então, atacar a vila. A batalha de Campestre, que durou 42 dias de cerco e lutas, foi a primeira na vida deste homem que, apesar de pregar o desarmamento do sertão, viveu sempre em lutas.[3]

Após vencer mais de vinte léguas até Campestre, a cidade é cercada. Contava, para a defesa, cerca de 200 homens, dentre os quais 50 soldados da polícia estadual. Manuel Fabrício contava, ainda, com uma fortificação erguida para a defesa. Estrategicamente, Horácio manteve o cerco, esperando que a fome fizesse a parte maior do combate. Ao cabo de alguns dias, o Tenente Pedra e seus soldados desertam, tendo de Horácio a garantia de que não seriam mortos.[6]

Ao lado de Horácio o chefe político do Pau Ferro, Eusébio Gaspar de Sousa, venceu os reforços de 130 soldados enviados da capital em socorro a Campestre, sob o comando do italiano Lelio Frediani.[6]

Ao fim de 42 dias o antigo poderoso chefe de Campestre rende-se, com a promessa da reabertura do inquérito da morte de Vítor, marcando assim a decadência deste que foi um importante chefe político do interior, e o ocaso do município de Campestre, que acabou por extinguir-se.[6]

A chamada "invicta" Coluna Prestes cortava o Brasil, numa desvairada tentativa de arregimentar as massas camponesas para a causa contra o estado de sítio de Arthur Bernardes. Percorreu 36 mil quilômetros, pelo país, "por onde deu início a revolução em movimento"[8]

A propagandeada "invencibilidade" da Coluna é mais uma fábula pois, se não foi derrotada, jamais conheceu vitória. Sob o comando de Luís Carlos Prestes, ex-integrante do tenentismo convertido ao comunismo, a Coluna cometeu um erro, ao passar pela Bahia: matou dois parentes de Horácio de Matos, um chefe de jagunços, afeito às lutas nas caatingas e matas da Chapada.

Prestes ainda tenta cooptar o Coronel, mas este já organizara, sob auspícios do governo federal, o Batalhão Patriótico Chapada Diamantina: os antigos jagunços eram agora homens de farda, com soldo, e uma missão. Horácio era o comandante-em-chefe do Batalhão e sua campanha foi registrada em diário de campanha pelo Capitão-ajudante Franklin de Queiroz.[5]

Tem início assim a maior perseguição que a nossa História já registrou, impingindo os "cabras" do sertão baianos sucessivos reveses à Coluna, forçando-a a deixar o Brasil e penetrar as terras bolivianas, em fevereiro de 1927, sob o comando do tenente Procópio Sabino Diamantino, recebido depois como herói na Chapada.

Os jagunços, entretanto, ávidos pelo combate, e tendo reduzido a famosa coluna a poucos homens, intenta penetrar em São Matias, sendo barrados por uma guarnição boliviana, que não permite-lhes a invasão do território[5].

Regresso dos combatentes
Horácio não pôde participar do retorno do Batalhão, acometido que fora de apendicite - forçado a internar-se em hospital no Rio de Janeiro. Seus homens chegam a Lençóis sendo recebidos como heróis por verdadeira multidão vinda de todas as partes[5].

Obtém Horácio do governo os cargos que perdera anteriormente, recebendo como presente do jornalista Geraldo Rocha uma prensa Marinoni, com a qual passa a publicar um jornal, chamado "O Sertão"[5].

Legenda (foto): Oficiais do Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas: Horácio, sentado (comandante-em-chefe); em pé: Capitão Ezequiel de Matos, Capitão Francisco Costa e Capitão-ajudante Franklin de Queirós.

Legenda (foto): Oficiais do Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas: Horácio, sentado (comandante-em-chefe); em pé: Capitão Ezequiel de Matos, Capitão Francisco Costa e Capitão-ajudante Franklin de Queirós.