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AMANHECIA quando a Caxinauá chegou ali. Sob o dorso líquido do rio passavam grossos cardumes de sardinhas. Ela chegava ao lago através de um labirinto esplêndido de furos e veios. Águas paradas, tétricas, perdido cruzamento de vias seladas, o lago Quati no meio de pântanos na penumbra da vazante, furos varando galhos, ocultos. Além, o horrível Paraná Mucura.

Maria Caxinauá morava em frente à Ponta da Fedegoso, na Praia do Cuco, onde se dizia que Zequinha Batelão havia desaparecido, em 1912. Desde o desaparecimento do filho do patrão a Caxinauá não saíra mais dali. Diziam que esperava sua volta.

O Manixi naquela época agonizava, improdutivo. Havia dois anos que o próprio Ferreira lá não aparecia, e a sede, depois da morte do Capitão João Beleza, ficara sob as ordens de um Ribamar (d’Aguirre) de Souza, oriundo de Patos, Pernambuco, conforme o primeiro capítulo desta narrativa.

Mas a Caxinauá avançava sozinha entre as gigantescas raízes. Dir-se-ia perdida, silenciosa entre as grandes árvores pré-históricas, ao pântano, entre murarés, caimas, touceiras de cumaru, sob os buritizeiros, os oitiseiros. O remo cortava a água sem ruído, a igarité deslizava no lado morto do mundo.

A Caxinauá chegara a um aningal. Entrevistos, no alto, urubus-reis. Sob a toalha da água se podiam ver os peixes, indolentes, dormindo um sonho de imersão no sangradouro do lago.

Ela não se apressava. Despiu-se do vestido e entrou na água, na umidade pesada, pisando no fundo do lajedo, que conhecia, na ponta da pedra branca, submersa.

Quem a visse veria uma mulher bela. O rosto, o pescoço e os ombros arruinados, queimados - toda a pele torturada, queimada no ataque Numa. Mas dos seios para baixo era bela e fresca.

A Caxinauá olhou aquelas margens. Ali viveram seus antepassados. Ali estivera entre os seus. A Caxinauá gostava de visitar aquele lugar histórico. Do passado não havia traço. Mas a floresta vencera.

Súbito pressentiu o perigo.

De repente sentiu que, de dentro, do fundo da mata, se aproximava algo ameaçador. Ela sabia que aquilo vinha muito rápido - nada o tinha denunciado, mas ela rapidamente saiu de dentro d’água.

Mas era tarde: Foi agarrada por mãos enormes, por enormes braços de um ser monstruoso, por trás, e ela sentiu o cheiro de cumaru e o forte calor daquele corpo e soube de imediato de quem se tratava, que seria ela mais uma das vitimas de Paxiúba, o Mulo.

Avaliou a situação: um dos braços do Mulo podia quebrar o seu pescoço, ela ia começar a sufocar, sabia daquela força insuperável besta selvagem. Ficou imóvel. Deixou-se levar. Sabia o que ele queria. O corpo do monstro estremecia, de prazer, era quente, o desejo roçava pelas costas da índia, arfando, como cão.

Ela viu que ele não a deixaria viva, que ele sabia que ela ia vingar-se, se escapasse viva. Mas Paxiúba agora tentava por outros modos, rolava com ela pelo capim e, estranho, gozava, assim mesmo, urrando e masturbando-se como touro furioso, poupando-a.

Depois que ele desapareceu, misterioso como tinha aparecido, ela caiu dentro da água para limpar de si aquela gosma peçonhenta.