[Galeno Amorim]

Desde pequena, Ângela sonhava ser professora. Ela sempre gostou de aprender coisas novas. E, depois de aprender, achava que devia compartilhar as novidades com os outros.

O que ela não queria mesmo pra si era acabar levando uma vida igual à das moças da ilha. Mal saíam da puberdade, elas logo se casavam e, muito cedo, pariam seus filhos. Reproduziam, assim, um ciclo idêntico àquele de suas mães e avós. Algumas envelheciam cedo demais, sem sequer terem pisado no continente. Uma vez na vida que fosse!

Enfim, esta parecia ser também a sua sina.

Como toda menina-moça do lugar, Ângela alimentava outros sonhos. Queria, claro, encontrar sua cara-metade; namorar, depois noivar e se casar. Constituir, enfim, sua própria família. Mas isso, ela dizia para si e para as amigas, só quando achasse que era a hora.

O que Ângela não tolerava era a ideia de ter que fazer algo somente por pura falta de opção. Porque era assim, pronto e acabou. Ah, isso não!

Mas Ângela tinha consciência de que suas chances eram bem poucas. Por outro lado, ela não queria deixar o lugar de seus antepassados e onde estavam toda sua família e os amigos.

Decidida a correr atrás de seus sonhos, a jovem resolveu ir à luta.

A praia da Longa - um dos vilarejos que formam a Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro - não possuía sequer luz elétrica. Isso só surgiria por lá anos mais tarde, com um programa do governo chamado Luz para Todos.

As adversidades para os pacatos cidadãos da vila ascenderem ao bendito mundo do conhecimento eram, como não é difícil de se imaginar, de toda ordem e grandeza. Biblioteca, livraria ou banca de jornal, por exemplo, nem pensar...

Pra piorar, os jovens do lugar consumiam boa parte de seu dia nas viagens de barco até Araçatiba, onde funcionava a única escola da redondeza. Do cais de Santa Luzia, na Baía de Angra dos Reis, até a Proveta, a última ilha, já em mar aberto, o barco Três Irmãos Unidos II pelejava seis horas entre a ida e a volta. Era o preço que se pagava pra poder estudar e ser alguém na vida, como diziam.

Incomodados com aquele monumental desperdício de tempo, os professores tiveram uma ideia: pegaram uns livros na escola e improvisaram no convés do barco uma pequena biblioteca. Como não havia tantas outras opções assim (além, naturalmente, de admirar, dia após dia, a bela e monótona paisagem oceânica de além-mar), ela logo pegou! Em pouco tempo, a estante - de madeira, que era pra aguentar a maresia - ficou pequena. E outros livros foram chegando. E os passageiros foram se transformando em leitores.

Não demorou e o barco-biblioteca tornou-se uma sensação no lugar. Era lá, por exemplo, que começavam - ou terminavam... - encontros não tão casuais ou namoros firmes. Amizades duradouras e até casórios. Também era lá que se tiravam dúvidas da escola e onde também se emprestavam livros pra levar pra casa.

Por anos a fio, Ângela bebeu naquela fonte. Foi lá que ela descobriu os romances. Que mergulhou em aventuras admiráveis. E onde os poemas, seu gênero predileto, entraram para sempre em sua vida.

Foi a bordo daquele inusitado sofá de leitura que a menina ouviu, pela primeira vez, os versos famosos de Castro Alves, que deram origem ao nome do barco-biblioteca: Espumas Flutuantes, título de um dos livros do poeta baiano.

Aquilo tudo mudaria para sempre a vida de muitos deles. Como a de Ângela de Oliveira, que virou professora, como ela tanto sonhava. Hoje, a professorinha dá aulas na mesma escola em que estudou.

E ela tenta despertar nos seus alunos o mesmo gosto de ler que, no seu caso, abriu uma nova janela e uma perspectiva de futuro, dando sentido a uma vida que, segundo ela própria, não havia nenhum.