SESSÃO NOSTALGIA

No coração do capitalismo  

 

                     Cunha e Silva Filho       

         A bonita  e  simpática  correspondente   brasileira da Globo News, visivelmente  preocupada,  procura,  no entanto,  passar – sem o conseguir -  a tranquilidade , ou melhor,  a  frieza e  objetividade das notícias  sobre o Furacão Sandy. O desastre  está  iminente. Vem  mesmo.                    

         As autoridades americanas,  governadores,  prefeitos, o  próprio  Presidente Obama esquecem os problemas  comuns  de governo, e se concentram  no seu  maior de todos os  problemas que uma nação tão  poderosa, amada e odiada, bela e lugar   de tantos  sonhos americanos  e  de bem-estar oferecido   pela “Terra da Oportunidade”,   salvação  de tantos  imigrantes,  melting  pot  universal  onde convivem  pacificamente   pessoas de  diferentes   culturas, onde se ouve falar uma multiplicidade  de idiomas.

          Quer-se referir àquele  Furacão com ventos  catastróficos,  chuvas torrenciais,  mar encapelado com  ondas  altíssimas a  ponto de saírem  das margens e se arrastarem  por  ruas de Nova Iorque.  Toda a cidade de Nova  Iorque assemelha a um  cidade-fantasma. Nas suas ruas, vemos barricadas  e outras  artefatos   de proteção. O centro nervoso está entregue às baratas.  Todos  corrram  para lugares  mais seguros,. As água do mar  inunda alguns  metros. A bela  cidade, a Big Apple,  está  triste e desolada, porque se o que  dela detesta  é  não ver suas ruas  apinhadas  de  pessoas  de toda a parte. Ate a Bolsa de Valores  deixou de funcionar ontem , hoje, e  talvez ainda não funcionária  amanhã. Tudo está paralisado. As ruas estão  escuras,  A Times  Square,  sempre  movimentadíssima  e  glamurosa,   está molhada e sozinha.

          As pessoas parecem   não  querer saber,  por enquanto,  da bela cidade, metrópole do mundo,   sonho de todos os turistas. Só alguns  homens e mulheres  da imprensa  internacional  são vistos, encapuzados, molhados,  friorentos,    fazendo alguma   possível  transmissão  ao mundo, como  nossos corajosos correspondentes que enfrentam  ainda, no cumprimento do dever,  os  riscos   a que  estão sujeitos  a qualquer  momento  da reportagem. O rio Hudson  está também  bravio,  aumentando  suas  águas.

          A Estátua da Liberdade,  do alto,   ofuscada  pela  ventania   gigantesca,  ainda  dá algum sinal de vida. Nova Iorque  é o coração  do mundo, nos negócios,  no lazer,  no turismo,  nas viagens de estudantes estrangeiros, na esperança  de  imigrantes   procurando  uma  chance  de  trabalho,   difíceis  nestes tempos  bicudos  de uma  economia   abalada.

           Não gosto de  filmes  que retratam  uma  Nova Iorque apocalíptica.  Ideia  sem graça  e que nada contribui  para   a grandeza  da cidade. Nova Iorque foi  feita para a  alegria,  para a vida  cultural,  para seus espetáculos  na Broadway, ou  off Broadway. Nova Iorque  foi  feita para  o sorriso,  a  alegria,  o encantamento. Nunca teve nem terá  vocação para o isolamento,  o fantasmagórico,   a solidão. Nova Iorque precisa  de gente muita gente,  de turistas,  muitos turistas,   de pessoas que  querem  visitar  inúmeros  lugares   importantes. Seus prédios  imponentes,  seus edifícios e arranha-céus   luminosos,  suas ruas  elegantes,  seus  bares e restaurantes,  sua  segurança , tudo  convida à diversão  e  ao  lazer.

            Certamente,  o Furacão  Sandy há de arrefecer sua fúria e deixará   em paz Nova Iorque e outras  partes   devastadas  da costa americana.  Sei também   que  os  acts of  God  têm  algum sentido  de lição aos homens: a de que  os homens, em toda a  parte do  mundo,  devem  ser mais  humanos e mais humildes e, olhando-se  interiormente,  perceberem  quão  pequenos somos  todos  na face da  Terra que,  por sua vez,  é um pingo de areia no Universo.  

              A palavra  Sandy tem um sentido  que vai mais  fundo na  nossa  imaginação. Em inglês, sand, quer dizer  areia, e Sandy, um adjetivo,  arenoso, cheia de areia. Não é isso  significativo, leitor?  O que é a areia senão  o isolamento,   a destruição,  o esfarelamento,   o desaparecimento  de  tudo o que a cultura  artificial  pode    construir?  Areia está associada  a castelo, castelo de areia,  algo que  se faz e se desfaz  em segundos, ou algo  com que  se sonha  de grandioso e , de repente,  se perde  entre nossos dedos. Nova Iorque,  de alguma  forma,  poder-se-ia  chamar  de centro do mundo pela sua importância em  vários  e múltiplos aspectos  de sua vida  e de suas  funções como  megalópole.

            E, por ser assim,  é que, metonicamente,   o que nela   acontece  tem  repercussão  imediata  no resto do  planeta. Espero que,  no momento  em que  escrevo estas  linhas,  alguma coisa tenha  melhorado  nas cidades  americanas  atingidas   violentamente  pelas forças  da Natureza. Tudo que está acontecendo  nos Estados Unidos   é  oportunidade  para reflexão sobre  a questão  do cuidado  que o homem deve ter com  a Terra.

            Já é tempo de parar  com  tantos depredação no  planeta, em geral   maus-tratos  visando ao  lucro, à cupidez, ao desregramento desencadeados  pela sede   incontida  de acumulação  a qualquer   preço, seja pelos   países como  governos, seja  por  homens  individualmente,  de todos  os setores  da atividade  humana,  e sobretudo dos  que  fazem  do dinheiro,  dos negócios, a maior  razão  da existência. Sejamos mais sensatos,  não  somos,  individualmente,  o  umbigo  do mundo.

             Há muitas terras  no  planeta  com  povos  famintos,   sem  instrução,  sem saúde,  sem nada, clamando  por socorro   permanente. Isso,  em toda a parte,  inclusive no  Brasil. Creio que a humanidade dará um passo  melhor em seu  convívio   universal quando   os egoísmos  forem  diminuídos e  mesmo    apagados do coração das pessoas. Dirão que  sou  um sonhador,  um  utópico,   um nefelibata como   diziam dos  poetas  simbolistas. Não,  nesta   altura da minha   vida, eu teria mais   inclinação  pela casmurrice,  pela desesperança, pelo pessimismo, se levasse em conta  o que  de repugnante tenho  visto  e sabido  do que  andam fazendo os homens no planeta nos mais diversos   segmentos   da vida  social, ou seja,  na política,  na  vida pública, no comportamento  social,  nas relações   interpessoais.  

            A não ver toda a sordidez que  se nos apresenta   o palco da existência,  seríamos  uns  Cândidos  ainda mais   ingênuos  do que o personagem  de Voltaire.Vejo, finalmente,  a harmonia  do  planeta como  uma decorrência  entre  a felicidade  sincera entre os homens, entre os homens e a Natureza, sem  todo esse arcabouço de  alta e nefasta  burocracia huxleyana ou mesmo os  olhos  onipotentes da sua   exagerada   dependência  tecnológico-científica e  hipertrofiada confiança  de que  ele, só ele, pode  enfeixar,  em suas mãos  prepotentes e babélicas,  o destino  de vida  e morte da humanidade.