Mórmons gringos

[Chagas Botelho] 

Após dias de sol e mar, enfim, retornava satisfeito de Luís Correia. Corpo e alma estavam agradecidos. Renovados. Afundado na poltrona felpuda da Guanabara, dormiria até chegar à Teresina. Essa era a intenção. Devagar, fui adormecendo com a maresia impregnada nos poros. Sonharia com as belezas naturais visitadas. Afinal, nada apagaria ou esfriaria, nem as lufadas do ar-condicionado do ônibus, as imagens tórridas armazenadas no subconsciente deste turista bissexto.

Quando puxava uma palhinha, o trepidar do leito, um cafuné móvel, despertei, abruptamente. Gargalhadas espalhafatosas roubaram meu sono de cansaço e ressaca. O descontrole risonho vinha do assento da frente. Não era de moças marítimas, e sim, de dois mancebos que contavam suas estripulias. Contavam e gargalhavam. As sonoras risadas impediam qualquer possibilidade de cochilo de mulheres e homens praianos.

Ergui a fuça furiosa para identificar os autores animados. Ou melhor, os perturbadores do sono alheio. Os identifiquei na hora. Eram dois jovens brancos e loiros que se vestiam iguais — gêmeos na indumentária. Usavam calças preta-carvão e camisas branco-neve. O sotaque de ambos era americanizado. Tinham engolido um Tio Sam. Deduzi: “são mórmons”. E eram. Os missionários riam à vontade. Nem ligavam para os passageiros sapecados do sol. Cada frase uma risada oceânica.

Em Piracuruca, irritado, desci para tirar água do joelho. Os mórmons estrangeiros, também. Apropriei-me do primeiro mictório Deca. Os religiosos, do segundo e do terceiro, respectivamente. Fiz meu xixi concentrado. Já os Élderes, continuavam rindo. Voltei para o ônibus mais carrancudo ainda. E, como voltaram os seguidores da igreja Jesus Cristo dos Últimos Dias? Sorridentes, é claro.

Assim, hilariantes, desembarcaram no terminal Lucidio Portela. Quanto a mim, insone e fulo da vida, cuja comissura labial não passava um riso, retirava enfezado as malas do bagageiro. Os dois mórmons da terra do Mcdonalds e da Coca Cola, aqueles que costumam tocar sua campainha em horas inoportunas, subiram a rampa de desembarque gargalhando à exaustão. Que tanta felicidade transbordava de seus corações? Que piada boa e duradoura fora contada a eles?

Não me pergunte, pois, não sei a resposta. Parece que já nasceram felizes. Eram como claques de programas humorísticos. Tinham o riso frouxo. Vai ver os dois mórmons gringos se enquadram naquela teoria do sociólogo Gilberto Vasconcelos que diz: “todo americano ri muito nos trópicos”.