Cunha e Silva Filho

                                                                                                       Para Daddy, Mr. Dudley, do City Bank

Dois anos depois de ter saído do hospital, consegui trabalhar em dois bancos particulares. No City Bank, no Foreign Exchange Department, onde precisei apenas de usar o inglês para a função de atender no balcão. Para essa função, não me pediram datilografia. Ainda bem. O teste foi apenas uma conversação com um dos officer (eram assim chamados os funcionários de posição elevada) do banco que me fizera uma observação apenas com respeito ao meu inglês. Dizia que falava com sotaque, mas isso não ia interferir no meu desempenho. Inclusive, esse officer me perguntou se desejava seguir carreira bancária, pois poderia me mandar pros Estados Unidos, talvez, Nova Iorque na condição de trainee. Disse-lhe que não, uma vez que estudava letras e queria ser professor.
                   No City Bank, que ficava então na Avenida Rio Branco, num belo prédio que até hoje lá está, tive o meu primeiro emprego com carteira assinada. Me assinaram a carteira na função de escriturário principiante.Eu ainda era solteiro.
                  Em outro banco particular, o Banco de Intercâmbio Nacional, trabalhei também na Seção de Câmbio. Fiz apenas dois testes, uma carta pedindo emprego e um questionários sobre cultura geral. Também isso é explicável. O emprego foi arranjado por um piauiense, amigo de minha mulher. Devo a ele essa gentileza e gesto de solidariedade. Esse piauiense era, na época, gerente-geral do Banco do Brasil, cuja sede ficava na rua 1º de Março, Centro.. Tinha muito prestígio e costumava afirmar que, quem ia lá precisar de alguma coisa ou pedir-lhe favor, era amigo do “gerente”, não da sua pessoa física.. O nome do gerente: Moacyr Freyre.
                 Era pessoa generosa, que muito me ajudou e à minha mulher quando, solteira, veio pro Rio fazer um curso e tocar a vida.Toda a família dele me tratou bem e, no meu começo de vida de casado ( época em que entrei pro Banco do Intercâmbio) me apoiou e à minha mulher.
Não me lembro se, para o banco que me conseguira colocação, fiz teste de datilografia. O banco hoje está extinto. Ficava na rua 1º de Março Era de porte pequeno. Nele prestei serviços como escriturário, trablahei na Seção de Arquivo, mas, na verdade, me usaram mais pra fazer correspondência em inglês e responder às cartas do exterior. Foi aí que notei o quanto os italianos bancários da época redigiam mal em língua inglesa. Vez por outra, me mandaram verter pro inglês cartas da diretoria do banco.    Ambos os bancos em que trabalhei me pagavam uma miséria. Era explorado pelo sistema capitalista como, em geral, muitos jovens em inicio de vida.
              A princípio, no Banco do Intercâmbio, um gerente falara que meu inglês não era assim tão bom, o que me deixou chateado com a injustiça. O nosso amor-próprio não aceita ser subestimado. Quanto mais fundo se tem a convicção de que se está sendo injustiçado, aí é que a auto-estima mais se abala. O fato é que, naquela época, não dominava o vocabulário técnico do comércio e bancário. Tive que comprar livrinhos de inglês comercial e bancário. Queria saber tudo sobre redação dessa natureza. Mas, com os meses, fui me assenhoreando de temas e do vocabulário dessa área. Aquele período, no segundo banco, me deu mais cancha na datilografia. Estava melhor e mais rápido, não obstante nunca ter conseguido ser um excelente datilógrafo. Talvez isso explique por que nunca serei um bom usuário do teclado do computador.
           Certa vez, assumira uma das gerências daquele banco um cearense gordo e baixote já de idade e metido a saber inglês que, vendo um fecho de uma carta minha em inglês, me chamou a atenção, dizendo que estava errado no uso de uma certa construção inglesa.
No momento em que estava com ele falando sobre esse problema linguístico, sem se anunciar, entrou na sala ( provavelmente era pessoa importante do ramo de negócios e familiar ao banco) da gerência um senhor meio idoso, baixo, mas bem forte ainda, de olhos vivos que, me vendo explicar ao gerente cearense a construção em causa, segundos depois, meteu-se na conversa e afirmou categoricamente que eu estava certo e a construção, além de correta e genuína pro contexto, era muito elegante numa carta. Parte da expressão era: “...whenever an opportunity presents itself...” 
          O cearense teve que engolir em seco. Ficou sem graça diante de nós. Meteu sua viola no saco.
Saí da gerência conversando com aquele senhor muito seguro de si, me dissera ser grego. Trabalhava com exportação. O inglês lhe era uma segundas língua. Senti que gostara de mim e me queria ajudar.Quando dei fé, já estava com ele na rua, em frente ao banco. O grego me elogiou até o meu conhecimento de inglês e me entregou um cartão que, depois, reconheci tratar-se de uma agência internacional de emprego,a Manpower.  Nunca mais vi aquele grego que tanto me impressionara com a sua segurança a e sua firmeza de caráter.Quanto ao gerente cearense, deixei pro esquecimento.
Depois de ter tido as duas experiências de banco, fui dar aulas em colégios e curso particulares. Foi quando melhorei um pouco as finanças, não tanto. Contudo, dava pro mínimo da sobrevivência de um jovem casal.
             Uma outra vez, procurando um ganha-pão complementar, li um anúncio de escritório procurando tradutores.. Essa questão de anúncio até já me rendeu uma crônica, na qual , para resumir, afirmava que muito dificilmente se consegue emprego através de anúncio. Pelo menos foi essa a experiência que um primo meu , o Weyden Cunha e Silva e eu tivemos aqui no Rio nos meados da década de sessenta. Passamos o dia inteiro correndo pelo Centro do Rio à cata de emprego anunciado no JB. Qual nada! Ao final do dia, estávamos exaustos, sem emprego e, o que é pior, famintos. Íamos fazer um lanche na Cinelândia e, quando possível, assistir um bom filme no Vitória da rua Senador Dantas.
           Que ousadia a minha ser tradutor àquela época! Os jovens são impulsivos, destemidos, pensam que sabem tudo, ou talvez suas ações sejam resultantes de ingenuidade, falta de senso dos limites e desconhecimento da própria capacidade de se julgar intelectualmente. Mas, vale a experiência, ainda que malograda. 
          Cheguei ao escritório. Ficava na Rua Graça Aranha, Centro. O responsável pelo teste me abriu um romance em inglês, o famoso Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Me pediu que traduzisse alguns parágrafos . Em seguida, me conduziu a uma escrivaninha na qual me aguardava ansioso aquele velho e conhecido “inimigo”: a máquina de escrever, uma Remington meio velha. O examinador me deixou sozinho. Procurei me concentrar e comecei a bater algumas frases em português, talvez uma página ou duas. Tinha certa dificuldade de organizar bem o enunciado traduzido. Passaram-se uns quinze minutos, ou mais um pouco talvez. O examinador regressou. . Olhou o que traduzira sem fazer comentário algum. Contudo, foi sincero: “Você bate mal à máquina. Neste ritmo lento não dá pra fazer tradução. Veja se melhora a datilografia e apareça depois".
         Para concluir essas notas rememorativas, que, antecipo, não seguem uma cronologia rigorosa e esta cheia de lacunas que poderiam ser mais desenvolvidas, ainda tentei, tempos depois, conseguir um trabalho de correspondente comercial. Sempre achei que, um dia, encontraria o anúncio da minha vida, um “abre-te, Sésamo”, que viria solucionar todos os meus problemas pecuniários e me deixaria plenamente contente e realizado. Talvez, isso nunca tenha realmente acontecido e ainda esteja à procura do “anuncio “ ideal. 
       A função seria redigir cartas em inglês, ou traduzi-las. A essa altura, já estava um pouco melhor em datilografia. Não sei se era porque havia comprado uma Olivetti portátil e, com o breve manual sem mestre incluído na compra, Em casa, praticava, à minha maneira, mesmo olhando sempre o teclado, as lições do manual. Acredito que esse treinamento me auxiliou bastante. Aproveitava pra bater na máquina tudo de que precisava pras minhas aulas e até artigos de jornal que, de vez em quando, enviava pra Teresina. 
      No dia do teste, me encaminhara pra uma ampla sala com várias divisões à semelhança de biombos, formando salinhas, onde trabalhavam funcionários de setores administrativos e possivelmente da diretoria ou da gerência. Não sei.
     Me lembro de que um funcionário me conduziu até uma dessas salinhas onde um moço com aparência estrangeira me testaria conhecimentos de língua inglesa. Aparentava uns trinta e tantos anos, de olhar simpático, educado, mas de poucas palavras. Desse modo se me dirigiu em inglês: “Please, open this book anywhere, and read at least one or two pages aloud,” will you ?” Abri uma página e a li toda. “That’s enough”, acrescentou ele secamente. Pude verificar que ficou me ouvindo atentamente. Em seguida, me fez fazer um ditado de dois parágrafos, valendo isso seguramente como exame escrito e compreensão oral. Final mente, me levou a uma ampla sala onde vários correspondentes estão trabalhando Só se escutava o ruído orquestral das máquinas. Fiz uma ligeiro teste de datilografia, que seria uma cópia de um texto em inglês para avaliação de rapidez e eficiência na máquina. Neste passei.
      Daí a uns quinze minutos, o funcionário, que me havia levado a ele, voltou. O examinador simplesmente disse ao funcionário: “O rapaz lê, entende, fala e traduz”. Fiquei contentíssimo.
Aconteceu, todavia, que, desta vez, o meu “inimigo não me ia reprovar. O que me reprovou foi o horário incompatível com a minha frequência no curso de letras, do qual não abriria mão mesmo arrostando privações e sacrifícios. Teria que trabalhar full time naquela firma. Tive que desistir. E assim se deu.