[Maria do Rosário Pedreira]

O livro, pelos vistos, tem já uns bons aninhos, mas foi recentemente redescoberto ou desenterrado, e ainda bem, porque as mulheres até parece que andam na moda e é, de facto, de mulheres que fala (embora, claro, muitas das casadas tenham  maridos que as adoram, ou as enganam, ou lhes batem, ou já não estão com elas mas determinam, assim mesmo, muito do que é a sua vida). Neste Vínculos Ferozes, de Vivian Gornick, com tradução de Maria de Fátima Carmo, mãe e filha passeiam pela Lexington Avenue em Nova Iorque e quase sempre estão em desacordo, porque são de gerações diferentes, e também porque passaram demasiado tempo à sombra uma da outra durante a vida, e talvez ainda porque uma é divorciada e a outra viúva e ambas rezingonas. Mas falam acima de tudo das suas memórias no bairro de judeus do Bronx onde viveram, memórias essas que estão cheias até ao topo de vizinhas, mulheres que morrem de medo dos maridos, ou mulheres jovens e bonitas como Nettie, que já era viúva quando o filho nasceu e não tinha qualquer talento para ser mãe, tendo de ser ajudada para que a criança não andasse de fraldas sujas e a sua cozinha não cheirasse tão mal. Mas, além de Nettie, há muitas mais, que ora são chumbadas pela mãe e apreciadas e copiadas pela filha, ora se abraçam à mãe no momento da morte sem nunca lhe terem prestado atenção em vida. Não é um romance, são as memórias da própria Vivian Gornick, mas lê-se, garanto, como excelente ficção.