Monumento do Jenipapo, na vizinhança de Campo Maior.
Monumento do Jenipapo, na vizinhança de Campo Maior.

Reginaldo Miranda*

Dentre os arautos da independência no Piauí, aqueles que se anteciparam às proclamações das câmaras municipais, figura o inquieto Lourenço de Araújo Barbosa, que divulgava ideias e fazia suas tecituras[1] na vila de Campo Maior. Foi pioneiro da independência no Piauí. Certamente, suas idas e vindas para fora da província no intuito de comercializar boiadas de gado vacum e cavalar, o colocaram em contato direto com as ideias da emancipação política e proporcionaram travar amizade com outros pugnadores da mesma causa, provavelmente em São Luís do Maranhão, no Ceará e até mesmo na Parnaíba. Estava, pois, a par do que ia acontecendo nessas províncias e na corte. Não poderia assim se conformar com as ideias contrárias que fervilhavam na Revolução do Porto, de rebaixar o status político do reino brasileiro. Cidadão de alto conceito em sua terra, onde exercia a advocacia, detinha posses, rebanhos e desde muito moço vinha ocupando cargos por eleição popular, era muito acatado pelos conterrâneos seja pela seriedade nos negócios, seja pela inteligência privilegiada. O fato de ser um rábula de conceito e divulgador de ideias avançadas, indica que estudou fora da província, talvez em algum seminário de Pernambuco ou da Bahia, abeberando lições de mestres antenados com as novas ideias que se propalava na Europa. Tornou-se franco propagador das ideias políticas de independência do Brasil, chegando a preparar-se antecipadamente para a luta armada. Evidentemente, essa movimentação não escaparia ao governo de Oeiras, nomeado pelas Cortes Constitucionais de Lisboa.

Lourenço Barbosa era “republicano e anarquista convicto”, no dizer de seu conterrâneo e notável historiador de nossa terra, monsenhor Joaquim Chaves. Divulgava pasquins sediciosos concitando o povo a rebelar-se contra os portugueses. “Um deles, por exemplo, distribuído em Campo Maior, atacava rudemente o Juiz de Fora, Dr. João Cândido de Deus e Silva, que havia feito uma conferência a favor da Constituição portuguesa e do reino. (...). A ele atribuíram a autoria do panfleto. O Dr. João Cândido, em fevereiro de 1821, oficiou à Junta de Governo em Oeiras remetendo-lhe o pasquim e pedindo-lhe que o Ouvidor da Comarca tomasse as providências que o caso estava a exigir. Não obtendo resposta, seis meses depois oficiou novamente ao Governo estranhando que até àquela data nenhuma providência houvesse sido tomada no sentido de sindicar-se para se descobrir o autor verdadeiro, ou os autores, do referido pasquim. O Juiz reiterou a denúncia que fizera da perversa doutrina que defendia o panfleto, seu ateísmo, epicurismo e espinosismo”[2].

Alguns meses depois a Junta de Governo autoriza o próprio juiz João Cândido a proceder à devassa para apurar as responsabilidades. No entanto, ele já se desinteressara pelo assunto, também trabalhando em surdina pela causa da independência. Respondeu dizendo que era inoportuna a investigação, porque perseguir os culpados seria despertar simpatias pelo Brasil, em detrimento dos interesses de Portugal. Por essa razão, a Junta encarregou para tal missão o presidente do senado da câmara de Campo Maior, José Carvalho de Almeida, que assim desincumbiu-se:

“Quanto à pólvora não há nesta Vila nenhuma que se possa julgar fabricada de contrabando porque, ainda que Lourenço de Araújo Barbosa experimentou o salitre para conhecer se podia aqui fabricar, contudo não chega ao mesmo conhecimento mas que com efeito fez algumas libras, as quais vendera”[3].

Segundo Monsenhor Chaves, naquele tempo, “em Campo maior o rábula Lourenço de Araújo Barbosa pregava abertamente a separação do Brasil de Portugal. Dizia-se até que ele mantinha na Vila uma fábrica de pólvora trabalhando para a revolução que se aproximava. As autoridades locais faziam vista grossa a tudo isto, temendo aumentar as simpatias da população pela independência se tentassem uma ação mais enérgica de repressão”[4].

Todavia, diante de todos esses fatos o governador das armas, major João José da Cunha Fidié, pressionou a Junta de Governo para que tomasse providências contra esses desatinos, sem mais protelações.

Foi, então, Lourenço de Araújo Barbosa “chamado a Oeiras para defender-se das acusações que pesavam sobre ele. Lá foi preso no dia 2 de janeiro de 1822, juntamente com um grupo de outros suspeitos. Dada a firmeza de suas convicções políticas e sua impermeabilidade a qualquer tipo de intimidação, foi considerado elemento de alta periculosidade para a situação então reinante. Fidié o remeteu em 10 de junho ao Cap. Arnaldo José de Carvalho, Inspetor das Fazendas do Canindé, para que o tivesse ‘em prisão livre, porém de ferros’, com guarda à vista, sem nenhum contato com os escravos pois seu gênio anárquico, todo propenso à desordem, é bem conhecido, por cujo se acha processado”[5].

“Na verdade, seu crime único era ser republicano.  Em 11 de julho de 1823 é ele escoltado para o retiro denominado Curralinho, da fazenda Tranqueira, Ribeira do Itaim, e ali entregue ao alferes do Ceará, Miguel Gonçalves. Esta é a última notícia que temos do infeliz patriota em terras do Piauí”[6].

De fato, mesmo libertando-se permaneceu no Ceará, onde envolveu-se na Confederação do Equador, movimento de caráter republicano que sacudiu algumas províncias do Nordeste, em 1824. Seu nome consta de uma “relação nominal dos indivíduos que mais decisivas provas deram de desafeição ao nosso augusto imperador”; entre os presos que chegaram à capital cearense em 25 de fevereiro de 1825, “vindos de Sobral e Vila Nova”, figuram dentre outros Lourenço de Araújo Barbosa e o padre Manoel Pacheco Pimentel[7].

Assim, embora tenha sido arauto da causa no Piauí, Lourenço de Araújo Barbosa não tomou parte na Guerra da Independência, por se encontrar preso em Oeiras. No entanto, da prisão em que se encontrava deve ter comemorado a vitória da nação brasileira, embora esta não lhe tenha sido benéfica, dada a doutrina republicana que defendia. Basta ver-se que em 11 de julho de 1823, quando os independentes já dominavam a situação política, continuava ele preso pelos mesmos. E mais tarde vai envolver-se no movimento republicano conhecido por Confederação do Equador. No entanto, depois desse evento seu nome não mais se fez notar em nossa história, parecendo ter falecido jovem ou sido desterrado em represália às ideias que defendia. O epílogo de sua vida ainda carece ser desvendado. Fica a tarefa para o futuro.

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* REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. E-mail: [email protected]

 

 


[1] Tecitura com “c”, segundo o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (ABL, 1999) e o dicionário de Laudelino Freire (1957, 5vols), no sentido de fios que se cruzam com a urdidura; sendo tessitura o conjunto de notas musicais, embora existam outros dicionários que omitam a palavra com “c”, colocando ambos os significados para a grafia com “ss”.

[2] Arquivo Público do Piauí. Cód. 91 – A. Nunes, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vil II. 2ª Ed.. Rio: Artenova, 1975. In: CHAVES, Monsenhor Joaquim Ferreira. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras completas. 2.ª Ed. Teresina: FCMC, 2013.

[3] Arquivo Público do Piauí. Cód. 87. Doc. 8. In: CHAVES, Monsenhor Joaquim Ferreira. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras completas. 2.ª Ed. Teresina: FCMC, 2013.

[4] CHAVES, Monsenhor Joaquim Ferreira. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras completas. 2.ª Ed. Teresina: FCMC, 2013.

[5] Arquivo Público do Piauí. Cód. 105, p. 44v-45. In: CHAVES, Monsenhor Joaquim Ferreira. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras completas. 2.ª Ed. Teresina: FCMC, 2013.

[6] Arquivo Público do Piauí. Cód. 105, p. 36v-37. In: CHAVES, Monsenhor Joaquim Ferreira. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras completas. 2.ª Ed. Teresina: FCMC, 2013.

[7] Gazeta do Norte – órgão liberal, 8.10.1880.