A Gruta do Catirina, outra atração não menos misteriosa do Parque Nacional de Sete Cidades, é assim denominada por ter sido o local onde viveu José Ferreira do Egito, o Catirina, que se retirou do contato com a sociedade para cuidar do filho que sofria de epilepsia, doença considerada demoníaca em sua época. Um buraco de cerca de 20 centímetros embaixo de um bloco rochoso foi o local onde ele passou a preparar suas ervas medicinais, numa luta cotidiana e absolutamente solitária, enquanto mantinha acesa a fé na cura do filho Martinho.

José no Egito, ou do Egito, com seu Jesus perseguido pelo mundo dos vivos, é a própria figura do heroísmo, grandiosa em sua impotência diante das forças vitais, igual ou maior que um dos deuses de Däniken. Vemos nessa história singular toda a epopeia humana, assim como o túmulo do filho não curado, que se encontra perto da gruta e que marcou o retorno de José à vida na cidade, isto é, o retorno à sua verdadeira solidão. Me pergunto se sua fé morreu junto com o filho, mas algo me diz que não: “É preciso viver, não importa quantos céus tenham caído”.

Seguimos o percurso pelas trilhas arenosas em meio à mata fechada. A essas alturas, a brisa mais parece um sopro nostálgico entre os rochedos, o tempo implacável parece filtrado diferentemente do mundo dito real; ora acreditamos estar sob o véu que encobre o fim da tarde, ora acreditamos estar em pleno dia, quando os raios iluminam com vigor os paredões de pedra.

No alto de um vale, dominando todo o parque, uma biblioteca petrificada é a última parada antes de enveredarmos por largas passarelas e degraus íngremes rumo ao topo do mundo: um hálito de vida escorre nas fissuras, nas infiltrações, no magnetismo das marcas de quem já viu e ouviu, fez e faz parte.
José no Egito é o que somos, na espreita de nossa implacável e definitiva redenção.

                                                                                                                           Renato Barros de Castro

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Trecho retirado do livro "Geografia Afetiva" - Prêmio Milton Dias, 2011.
Outras obras do autor estão disponíveis nete link (Livraria Saraiva).