Ele parecia satisfeito enquanto comentava que o governo, pelo que deixavam transparecer determinadas posições ou atitudes por ele assumidas, demonstrava, claramente, a intenção de privatizar o ensino público de nível superior. A informação que deixava o moço extasiado, a mim irritava, porque entendo que, tergiversando de suas atribuições, há muito o poder público vem facilitando a privatização do ensino fundamental, cuja obrigação constitucional de prestá-lo de modo eficiente e em espaços suficientes para acomodar todos os brasileiros que o buscarem, é do estado, que não a cumpre adequadamente. Se isso não é uma demonstração de desrespeito para com o cidadão-contribuinte, o que seria? Claro, não é de hoje que muitas famílias, notadamente, aquelas que almejam para seus filhos um ensino básico e fundamental eficiente e de qualidade, que os leve, no futuro, à universidade – que ainda tem na pública o melhor prestador de ensino superior -, sabem que para conseguirem esse objetivo sem muitos traumas, precisam pagar, não raro, pelo oferecido por instituições educacionais privadas. Quer dizer, além de bancar os custos com o ensino que deveria ser disponibilizado, gratuitamente, pelo estado brasileiro, e que até existe em ilhas isoladas de excelência, segundo pensamento do governo, endossado por demagogos ou hipócritas, precisaria pagar, também, pelo ensino superior de seus filhos. Melhor seria, então, que os parlamentares que elegemos para nos representar – mas que na verdade somente nos atendem quando os interesses deles coincidem com os nossos -, propusessem emendar a “constituição cidadã” a fim de cassar, revogar, derrogar normas legais e outros ditames que atribuem ao estado a obrigação de oferecer ensino fundamental, médio e profissional de boa qualidade e em quantidade suficiente para atender a demanda da população. Isso tornaria, senão mais justa, mais honesta situação que já ocorre com aquelas famílias brasileiras que, bancando com os tributos que recolhe o ensino público deficiente que temos, dele não usufruem, já que se veem obrigados a buscar na iniciativa privada o que lhes satisfaz; o que intui dizer que elas pagam em dobro pelo ensino de seus membros, Como consequência de essa ufanista reforma constitucional adviria a possibilidade de uma soberba diminuição dos recursos orçamentários disponibilizados para bancar o ensino público, sem a necessidade de, demagogicamente, virem gestores públicos alegar que precisaram contingenciar dotações da educação como forma de conterem gastos. Sem falar que as atribuições estatais de pensar, disciplinar, orientar e gerir as atividades educacionais não exigiriam ministério e secretarias estaduais e municipais específicos para delas cuidar: o ministério do planejamento, da indústria e comércio, ou a própria presidência, governo ou prefeito, por meio de diretorias, superintendências ou outro apêndice burocrático, assumiriam tais funções; até porque o interesse maior de cuidar da educação de forma universal e generalizada, que teria na prestação de ensino de excelência em todos os seus níveis seu diferencial institucional e comercial, seria da iniciativa privada, a quem caberia herdá-la; iniciativa essa que, mais que antes, ver-se-ia submetida aos critérios de mercado e da livre concorrência. Ainda não joguei a toalha. Creio que o poder público tem feito sua parte na facilitação do ingresso de parcela da juventude estudante brasileira na universidade pública, não por oferecer ensino fundamental de qualidade incontestável a todos, mas quando induz, aceita, admite ou não discute a criação de cotas que, ao tempo em que tornam menos problemático esse acesso para alguns, a outros – filhos de famílias que pagam ciclos anteriores de ensino - dificultam, senão os impedem de usufruírem as mesmas benesses. Enquanto não tivermos ensino fundamental público de boa qualidade disponível para todos, como prevê nossa constituição, não pode o estado punir quem se vê obrigado a pagar por um bom, delegando o ensino universitário à iniciativa privada. Jogarei se nossos representantes no governo e parlamento permitirem essa aberração. Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected]