Por Gabriel Perissé

Em lugar de acusar a mídia de persegui-la, a igreja católica, diante do crime de pedofilia cometido por sacerdotes, tem a oportunidade única de, contando com apoio da própria mídia, lavar os paramentos em praça pública. Por que não dar início a uma reforma moral dentro de seus seminários, dentro de suas instituições? Por que não admitir que faltou interesse, faltou firmeza por parte do próprio Vaticano em investigar e punir os casos notórios de pedofilia? Todos, católicos e não católicos, aguardam respostas claras daqueles que, a começar pelos papas e bispos, em seus discursos e documentos, apelam para os direitos humanos, o direito à vida, o direito à liberdade.

O crime da pedofilia ocorre dentro da igreja católica, sim, e de outras igrejas, e de outros grupos religiosos, de escolas, de famílias etc. Não vem ao caso procurar saber quem ocupa o primeiro lugar das estatísticas (sujeitas a tanta falta de denúncias e informações!), não se trata de minimizar o que ocorre ali porque acolá a situação é mais grave. Esperamos que todos esses casos sejam denunciados, que as vítimas sejam socorridas, que os que correm risco sejam protegidos. Quanto à igreja, porém, espera-se mais, uma vez que ela própria se apresenta como referência moral. O mínimo que se exige, portanto, é que a Igreja, agora sem mais delongas ou ambiguidades, trate do assunto com rigor e coerência.

Escândalos e imagem

A igreja preocupa-se com sua imagem institucional. Sob o pretexto de não causar escândalo, tentou abafar os casos, o que é ainda mais escandaloso. Padres foram transferidos de paróquias e dioceses, autoridades fizeram vista grossa, pessoas que se queixaram com o bispo não foram ouvidas, foi adotada, enfim, uma antiga atitude, bem típica da política eclesiástica, "prudencial":sapere soprassedere.

Este "saber protelar", que Ratzinger praticou em tantas ocasiões envolvendo questões doutrinais e de disciplina interna, a exemplo de outros bispos e papas, não deu certo desta vez porque desta vez prudente seria agir com rapidez. Está aí, para comprovar o erro do adiamento, o que aconteceu com os Legionários de Cristo, instituição que recebeu tanto apoio da Igreja e agora está definitivamente desmoralizada. Melhor (ou pior) exemplo do que este impossível. O tal adiamento prudencial fomentou a "cultura do silêncio", silêncio que, ao se quebrar, provocou muito barulho, sobretudo num tempo em que tudo se torna público num clicar demouse. Até o insuspeito Olavo de Carvalho, noDiário do Comércio (31/03), aponta para a única saída decente: que os fatos sejam noticiados e esclarecidos.

A imagem da igreja católica sob Bento 16 está muitíssimo prejudicada. Este pontífice deve agora tomar providências, anunciá-las claramente, permitir que todos saibam, inclusive a polícia e a justiça. O problema do papa, contudo, é que, puxando o fio solto do tecido esfarrapado, faça-nos ver outra vez, de modo inegável, que a questão não se restringe a alguns padres de paróquia. Virão à luz novos nomes de altas autoridades, como já aconteceu antes. Autoridades coniventes ou, pior ainda, criminosos a merecer mais do que a punição canônica de se recluírem a um mosteiro e rezar pelo resto da vida, como aconteceu com o famigerado padre Marcial Maciel.