ideias de virar a cabeça
Por Bráulio Tavares Em: 26/04/2011, às 16H14
[Bráulio Tavares]
Imagine o leitor um mundo muito  diferente do nosso, um mundo sem Natureza, sem ar livre, sem espaços abertos. Um  mundo onde todo mundo vive trancado em apartamentos que são como caixas de onde  nunca se pode sair. Um mundo irreal, claro (nenhum mundo realista se sustentaria  dessa forma – de onde vem a comida, por exemplo?). Mas um mundo que, para  efeitos de ficção pode ser imaginado por um autor e visualizado por um leitor.  Só que neste caso há uma diferença essencial. Imagine que uma família de tamanho  equivalente ao nosso vive ali, num espaço cúbico muito parecido com um palco de  teatro. Nesse espaço cúbico eles comem, dormem, etc. O espaço tem paredes, chão,  teto, tudo normal, com duas exceções. 
A primeira exceção é que a parede  dos fundos é dividida em cem pequenos cubículos, dispostos em dez fileiras  horizontais e dez colunas verticais. Cada um desses cubículos é um espaço  idêntico (só que em tamanho muitíssimo menor) ao espaço onde vive a família. E  em cada um deles vive uma familiazinha diferente. São familiazinhas minúsculas,  liliputianas, que estão ali tocando seu dia a dia, enquanto que na sala grande a  “nossa” família, proporcionalmente gigantesca em relação a elas, acompanha na  parede dos fundos de seu espaço esses 100 pequeninos palcos onde acontecem cem  historiazinhas diferentes.
E a segunda exceção diz respeito à parede  oposta. Porque quando nossa família, de tamanho normal, se vira para o lado  oposto à parede dos fundos, quando ela se vira para o que seria em termos  teatrais a “quarta parede”, a parede invisível que separa palco e platéia, ela  vê um gigantesco espaço cúbico onde mora uma família de gigantes, num espaço  parecidíssimo com o dela própria. E, se conseguisse espiar de lado, essa família  de tamanho normal veria que sua casa não passa de um entre cem cubículos de  tamanho normal, lado a lado, formando a parede dos fundos da casa do gigante! (O  qual por sua vez, etc. etc.)
Esse universo foi imaginado por Marc  Laidlaw, que já teve pelo menos um livro (com outra temática) traduzido no  Brasil (“A Usina Nuclear de Papai”). A idéia de Laidlaw tem a mesma ousadia dos  universos de paradoxos espaciais construídos por M. C. Escher em suas gravuras  cheia de jogos geométricos e de perspectiva. A ficção científica usa idéias  assim, capazes de virar a nossa cabeça no esforço de entendê-las. Acha difícil  visualizar esse mundo que descrevi? Eu também achei quando, sem aviso nenhum,  comecei a ler um desses contos e tive de deduzir por conta própria o formato do  mundo surrealista em que aquele pessoal vivia. (O conto se chamava “Middleman’s  Rent”, na revista Fantasy & Science Fiction). A vantagem é que  depois que a nossa mente assimila conceitos desse tipo, nunca mais fica pequena  de novo. A ficção científica é uma literatura de aventuras, sim, mas de  aventuras mentais, onde a nossa mente se arrisca em espaços e conceitos nunca  antes imaginados

                                                        