[Cunha e Silva Filho]

Dois economistas brasileiros, Gustavo Franco e Fábio Gambiagi, lançaram  um  livro, Antologia da maldade  II, que  reúne declarações de  "personalidades  e de anônimos" neste Brasil de hoje,  palco de divisões,    fanatismos,  aberrações   e animosidades  estéreis e  sem  precedentes  tão violentos   para a corrida  presidencial   deste ano.Um dos autores do referida obra,  Giambiagi,  declarou  que " o país se tornou mais   incivilizado," o que é uma  afirmação   correta e reveladora do que atravessa  esta  nação de dimensões  continentais. Contudo,  é de se assinalar  que os verbetes coletados pelos dois autores,  por  razões óbvias,   remetem   mais  à fase  atual  vivida  pelo país em tempos  bicudos de  bolsonarismo, essa espécie de bandeira  na contramão  da  História. 

Não li o  primeiro  volume  nem o segundo. Deste apenas  li  uma reportagem  sobre   ele   publicada  por  Cássia Almeida no  Globo de  20 de agosto  do corrente ano. Ligando as pontas  da  reportagem a outros temas  conexos,  notadamente  vinculados  às maldades que tomaram conta  do mundo  contemporâneo,  maldades que  não  podemos negar que possam ser rastreadas facilmente em tempos brasílicos e bruzundanguenses  mais  remotos  ou  menos remotos, porém  que indubitavelmente se tornaram mais  indesejáveis e perniciosas  na atualidade, conforme  se podem  indiciar  pelo  título  da presente  crônica.

Com o vertiginoso surgimento das mídias eletrônicas e do seu  poder   orwelliano de captar, em tempo real, notícias de acontecimentos  e fatos  globais  houve um recrudescimento de nossa    visão  e da escalada  de embrutecimenentos  das ações  humanas  nunca antes vistas na Galáxia de Gutemberg.  São, destarte,  informações nacionais e internacionais, com  quantidade  assustadora   de  inputs que, se  não tivermos  o cuidado, o discernimento  e a firmeza de saber  selecioná-las com critério e  prudência,  elas nos  deixarão  atordoados de imagens  e dados, de referências e  contra-referências,  de verdades e mentiras num verdadeiro caos babélico.

No esfera   movediça  e traiçoeira da  política, seja nacional, seja  internacional,  foi o que  se deu com o aumento gigantesco das chamdas fakenews, cujo epicentro histórico  foi a vitória infausta  e  imprevisível  do fascista multimilionário Donald Trump e suas ideias  segregacionistas    em vários  aspectos  da vida social   americana. Foi um candidaato  criador de caso  desde a  sua  campanha para   presidente Estados Unidos,   para usar uma velha  expressão   inglesa, by hook or by crook,  chegando ao  ponto  de se   envolver  espúria e nebulosamente,   a fim de  aniquilar  a candidatura de Hillary  Clinton,  até  com  um país que se  proclama  comunista e aliado  de comunistas (China) e de ditadores  sanguinários (Síria).  Sua administração  foi pontuada de desmandos, atitudes fascistas e autoritarismos de toda sorte. O seu  malogrado governo,  exemplo  de  retrocessos,  de nacionalismo patrioteiro, de exclusão,  foi, melhor dizendo,  um  furacão  de insânias  facciosas que só  macularam  a imagem  de um país  democrático não obstante    seus erros de  potência  hegemônica   no plano internacional. 

Na verdade o conceito de comunista nada tem a ver com  os  princípios marxistas  originais. O que na Rússia  se tem  é  um capitalismo  acumulador  de   milionários   autarcas, mas praticado   com  mão de ferro   discricionária,   como  é  exemplo típico  o  poderio  econômico do  próprio  Vladimir Putin.   Na Rússia, o que  temos  é ditadura mesmo, sem liberdade de imprensa, ou seja,  bico calado, prisão para os  opositores  ou  mesmo sumiços  ou assassínios, por tiro  ou envenenamentos,  de adversários políticos. Portanto  nada tem a ver com  os  princípios  norteadores do  marxismo  puro. O mesmo  se poderia  afirmar da China,  da Coreia do Norte, de Cuba, entre outros países,  cuja  sociedade vive sob o tacão da ditadura.

No  Brasil,  com a vitória  de  Jair Bolsonaro nos deparamos, desde o  início,    com  uma nova   realidade    de  péssima  e tumultuada gestão,  já  sinalizada  pela escolha de  alguns ministros   que iriam compor  o seu governo caracterizado  também  por retrocessos em vários aspectos da sua infraestrtura,   principalmente  na condução  do Ministério da Educação, no qual foram  substituídos  três  ou quatro   ministros, cada um  pior do que  o  precedente.Assim  também,  nas escolhas  infelizes   dos ministros das  Relações Exteriores, do  Meio-Ambiente, da Cultura. Talvez só escape  figura   do Ministro  da Ciência e Tecnologia. 

O super-ministro da Economia  foi  outro   nome lamentável  na condução  das finanças do país, dolarizador   da economia   nacional, entreguista,   ministro,  cuja atuação, prepotente  e autoritária,  levou  o  país  novamente  à escalada  de aumentos  dos preços  de  itens  fundamentais  à sobrevivência  dos mais  desfavorecidos e mesmo  ao  endividamento da classe  média, culminado tudo isso   com a  volta da fome.  A despeito de todo  esse desgoverno   do Sr.  Guedes, o  presidente  Bolsonaro   o manteve   intacto   no cargo. Ele formam  um par perfeito  de  prepotência  manu militari. 

Ora,   uma mente de  mau banqueiro que  serviu à ditadura  chilena,  não podia   resultar senão  no desastre   e no sofrimento   por que  passam   agora os mais  pobres  brasileiros com os preços  aumentando praticamente   todo dia. É maldade demais nesse laissez-faire  dos preços subindo  sem que  o  povo,  os funcionários  federais de níveis  baixo ou médio, os chamados   barnabés,    tenham  reajuste. Não  o têm  há uns dez anos! E ainda  exite  empresário,  como  o Abílio Diniz   que declarou recentmemente   na Folha de São Paulo não estar  mal a  economia brasileria. Ele pode  afirmar isso  porque  é alto   empresário  e não sofre  as agruras fianceiras  de uma família de classe média e sobretudo de uma famíla  pobre ou  abaixo da linha de pobreza.

Tanto na terra do Tio Sam  quanto no  "pais do futuro" podemos reconhecer as consequências danosas e maléficas às duas  nações. Mesmo  para um leigo,  porém um leigo que sabe  discernir os limites  do bem  e do mal (sem entrarmos  na  bisantinice  de  considerações religiosas  maniqueístas), é notória a constatação de que ambos os países experimentaram um descida  escabrosa e dantesca  de encrencas homéricas   a partir da  tomada de posse  dos dois presidentes, em muitos aspectos  bem   parecidos quanto às suas  personalidades e visões polítco-partidárias. Só que, no caso  do brasileiro,   o mimetismo e,  portanto, servilismo,  foi bem evidente, desde a visita  de Jair Bolsonaro  aos Estados Unidos  com  os seus rapapés  ao  presidente  yankee e até  algumas outras atitudes intempestivas e estambóticas levando  ao  trágico-farsesco   de, em  algumas declarações,  revelar  ausência  de comportamento    digno de um líder  ou   estadista.

Não foram gratuitas as coincidênncias na maneira de adminstrar de ambos  posto que  entre   os dois existem diferenças  de metas  governamentais. No entanto,  o lado  antidemocrático  de ambos  é bem  visível, sem se falar  de  atitudes  golpistas  e negacionistas no âmbito das ciências. O conservadorismo  trumpiano encontrou no bolsonarismo  também o  seu  corolário  tupiniquim.

A "América  para os americanos" corresponde ao slogan bolsonarista  "Pária amada" que, no país,   por criativa  ironia  fonética  bem bolada por alguém   e  em bom tempo,   virou "Pátria armada" - uma alusão  à tendência  belicosa  endossada  por  Bolsanaro de armar  a sociedade. Ao nacionalismo   deformado  e racista do antipático Trump (de resto,  ambos fazem questão de serem  antipáticos,  um pouco mais  da parte de Trump) corresponde  à grossura  do Bolsoanro arrepiante. Agora,   me recordo  do que  o escritor  peruano  Vargas Llosa comentou, em entrevista, se referindo a Jair Bolsonaro.  O escritor disse   tratar-se de alguém que faz palhaçadas,   embora  tenha   igualmente  afirmado  que jamais  votaria   em Lula  para  presidente  por seus  fortes  envolvimentos,  diretos ou  indiretos, com  corrupções.

Uma outra possívael coincidência poder-se-ia aventar: as tentativas  de Bolsonaro negando  lisura  na contagem  de votos pelo sistema eletrônico, embora  já tenha sido  eleito por esse mesmo  sistema  relembrando   ainda que o republicano Trump  possivelmente, até hoje,   nunca  aceitou que havia  perdido  as eleições  no confronto  com  o democrata  Joe Biden. No  Brasil,   logo  que se  teve  notícia  e confirmação da vitória  de Biden,  tivemos da parte  do atual  vice-presidente, em ligeira  entrevista, quando lhe foi  perguntado se reconhecia a vitória  de Biden, uma atitude reticente. Aliás,  demonstrou  cautela por  não dar  ao jornalista  uma resposta  categórica,  ou seja,   revelou   certa   dúvida  ou parcialidade,   o que,  por si só,  revela  uma atitude    nada  republicana.

Por  outro lado,  a questão da polarização  foi  logo  reconhecida  como  um salto  maior  para  uma divisionismo  perigoso ou  uma clivagem  de  correntes  acirradamente  opostas -  lulismo e bolsonarismo -, provocadora, de parte a parte,  de  fanatismos  e  intolerância,   levando a  tragédias já ocorridas  entre os  dois   flancos  antagônicos na corrida pelas reeleições. É essa dimensão   trágica que atravessa  atualmente a arena  política nacional.

Uma  sociedade  cindida  pooliticamente, com  fanatismos   imperando  entre   os dois adversários não é conveniente a qualquer  país que deseja atingir  uma grau de amadurecimento civilizatório,  não obstante Os Estados Unidos, país super-desenvolvido,   terem sido  palco   de um acontecimento  impensável,   em tempos atuais,   no  campo político-institucional:   a vexatória  e truculenta  invasão do Capitólio (vista  mundialmente  na televisão e por outras  mídias )   por  seguidores fanáticos  do  trumpismo   e com vítimas fatais,   estimulados   pelo  nefasto  Donald Trump, hoje  sendo  investigado   pelo governo   federal em razão da sua  tentativa  de  desestabilizar  os  pilares da democracia  americana e se configuar como  um verdadeiro  atentado  contra  o Estado Democrático de  Direito. 

Oxalá seja  punido  duramente  pelas leis americanas, tanto no Congresso quanto  na Corte Americna e seja  considerado  inelegível sine die. Quer dizer, um exemplo flagrante de um mandatário  sem as mínimas condições morais   e   competência  de  adminstrar  uma nação   como   os EUA. Um anti-estadista, um fascista, por   conseguinte, que deu  o  pior exemplo de como  não se   comportar  como   chefe de governo  de uma  grande nação. Sem  respeitar as  normas  constitucionais de seu  país, procurou  os meios  mais   aleivosos para  provocar desordens  institucionais e macular a imagem  da  política americana no  concerto das nações democráticas.

Espero que não ocorram  outras coincidências similares ao trumpismo   quando  nossas  próximas  eleições  presidenciais se realizarem em  outubro  próximo. Que  os resultados das eleições sejam  obedecidos  e cumpridos  em consonância com a legislação eleitoral vigente e não como  ocorreu  no já  mencionado  desatroso  evento  da   invasão  do Capitólio americano. Não  mais  estamos  aqui no  Brasil  e em  outro  países  democráticos em épocas de caudilhismos e de golpismos   inconstitucionais. A vitória de um  pleito deve ser garantida  por todos os meios legais. Não somos mais   uma  nação  ainda  em fase de  regimes  ditatoriais como na Rússia de Putin e em  outras nações  mundiais. 

A humanidade necessita  de democracias   consolidadas e não de guerras  inúteis  e  destrutivas  de soberanias alheias. Devemos, sim, superar o conservadorismo    já caduco  e substituí-lo  pela conservação  e manutenção de nossa democracia. Não mais  quarteladas   e  inclinações a  regimes autoritários. Quando lemos  notícias, por exemplo,  que  já  se divulgaram   na imprensa  mundial  sobre uma  possível guerra civil   nos EUA, isso  me parece  uma  ideia tresloucada  a ser  execrada  pela sociedade contemporânea, não só a americana   como  em  quaisquer países do mundo. As nações  amadurecidas   devem  lutar   para a conquista da democracia e pela escolha de  governantes   competentes,   éticos e   amigos de seu  povo.