No nosso último encontro já havia percebido uma mudança sintomática, para não dizer radical, em Sandoval. Falante e perspicaz, dia desses, quase o assusto, sentado que estava no banquinho de movimentada praça do centro da cidade, taciturno e sorumbático, ao cumprimentá-lo; parecia, sequer, ouvir o barulho ensurdecedor dos vendedores de gororobas medicamentosas que ali se haviam instalado há meses. Pediu-me para sentar a seu lado. Brincando, perguntei-lhe se estava a pensar na morte da bezerra, tão sisudo daquele jeito. Que nada, companheiro, estou mesmo é pensando na vida. Resolvi “puxar” assunto, instigá-lo. Que me diz de essa história de “baleia azul”, Sandoval? Um anacoluto, se me permite, amigo: antes de ser assaltado, olha só, achava que essa coisa de assalto só acontecia aos outros. Respondendo-lhe, então: não estranho mais nada. Está cada vez mais difícil entender as pessoas. Um exemplo: meio mundo anda bastante feliz com as escaramuças jurídicas que o juiz responsável pela Lava-jato vem fazendo com essa corja de bandoleiros que dilapidam o país há décadas; logo, ele seria “o cara”, certo? Não! Diz a mídia que famoso ex-presidente da república, incluído em diversos inquéritos, denúncias, réu em alguns processos; verdadeiro santo do pau oco – ferrenho defensor e mecenas de ditadorezinhos mequetrefes da América do Sul -, se a eleição presidencial fosse hoje, ele estaria eleito. Temos cura? Não! Provavelmente, vamos votar, indiretamente, para o parlamento, em lista fechada – na qual, segundo entendem alguns, um mesmo listado, poderá concorrer, simultaneamente, a dois cargos eletivos. A propósito, por aqui, não é mais ou menos assim que há muito acontece? Não raro, votamos e elegemos parlamentar tal, vem o governo e, em nome de uma pretensa ou espúria governabilidade, troca o eleito por alguém que as urnas rejeitaram. Se deixarmos o congresso nacional aprovar essa ignomínia, a maioria não vai anular seu voto, como seria ideal, mas votar feito cordeirinhos. Depois reclamaremos. Começava a ficar interessante o “papo”, pensava cá com meus botões. E lhe digo mais, colega, voltava Sandoval a assumir as rédeas do diálogo - bem feito, quem me mandara cutucar onça com vara curta -: acidente de trânsito, quantas vezes não julguei culpado alguém que se envolvera em alguns, simplesmente por tê-lo considerado causador do mesmo, e ponto final. Mudei de opinião e de cometer tal injustiça, a partir do momento em que conduzindo o próprio veículo me envolvi em vários deles, e, em muitos, a culpa foi minha, não dos outros condutores. E continuava. Antes de ser avô, achava que amigos haviam se transformado em toleirões, bobalhões, bobocas demais depois do surgimento dos netos em suas vidas. Como alguém poderia mudar tanto após a chegada de essas “cabecinhas de sangue”? Muda mesmo, meu prezado, eles mexem, de fato, com nossa estrutura emocional; passamos a fazer o que querem, e com muita alegria e satisfação. E ainda ficamos irados quando nos relembram do que, antes, dizíamos a respeito do assunto. Os avôs dos seus filhos – você os tem, quero crer – não devem ser diferentes, pois não? Não, não são, velho amigo. Menos mal: se meus filhotes e os velhinhos ficam felizes, por que não eu? – como diria Paula Toller. Pois bem, prosseguiu Sandoval: aprendi a aceitar como verdades, evidências em que desacreditava ou via como suscetíveis de somente acontecerem a outrem. Além disso, hoje, tudo está muito diferente de quando era mais jovem. Vai concordar, obviamente, que existe muita informação circulando, abalroando-nos a todo momento; antes de decodificarmos uma, bateladas de novas se lançam sobre nós. Chega a ser enlouquecedor o modo e a rapidez com que elas nos sobrevêm. Assim, meu caro, concluo: tudo, tudo mesmo pode acontecer, notadamente, de ruim, porque, dizem, as notícias más têm preferência na corrida existencial: elas sempre chegam antes das boas. Parecia lugar-comum o que estava falando Sandoval, mas preferi entender sua fala como constatações de alguém que tenta viver seu tempo com um mínimo de sustos ou surpresas. Pensei que se ia calar, enganei-me. Você me perguntou o que penso a respeito de essa maluquice de “baleia azul”. Acho-a isto mesmo: uma maluquice, mais que bizarrice. A propósito, há algum tempo, bizarro é algo que não cabe mais no universo das ideias. Nada mais nos parece estranho; é como se já houvéssemos visto tudo e, portanto, tudo é normal. Essa “novidade” está no mesmo rol; mas, logo, logo, envelhece, vira coisa do passado - tomara, sem nos impor grandes perdas -, e outra a substitui. Só para fechar nosso proveitoso bate-papo. Vou lhe revelar uma decepção: nutria esperança de que do seio de nossa juventude sairiam os líderes de que andamos precisando faz tempo, em todas as áreas: política, econômica, ética, moral, científica. Perdia-a. Concordo com o que Rui Barbosa falou, certa feita, que, um dia, ainda iríamos sentir vergonha de sermos honestos. Hoje, já parece algo ultrapassado, coisa de tolos e fracos respeitar valores como a Moral e a Ética. Então me diga, companheiro: estamos, ou não, perdidos? Teríamos assunto para mais de metro; fica para depois. Desculpe-me, creio que já percebeu: ando sem paciência e minha fé está enfraquecendo. Foi-se. Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected]