Entrevista com Gilberto de Abreu Sodré Carvalho

"Todos os personagens estão sempre em relação com outros tantos atores mencionados, mostrando-se uma história contada a partir de pessoas. A diferença do estudo está em ir-se sempre para além de biografias estanques" (Gilberto Carvalho).     

Dílson Lages Monteiro – Editor de Entretextos

Estudos de genealogia são obras de uma vida toda. E continuam em outras vidas, desdobrando-se em tarefa inacabada de forte apelo lúdico, além, claro, da importância, hoje cada vez mais valorizada, para a história social. Neles, memória, pesquisa bibliográfica e toda sorte de fontes primárias fazem da materialidade do pensamento de um tempo, mais do que registro de nomes, um caleidoscópio de valores, afetos e principalmente fonte de identidade. Às vezes, reafirmada; às vezes, negada. Ou simplesmente descoberta (quantos não se descobrem integrantes, por meio de seus antecedentes familiares, de grupos humanos aos quais sequer suponham se relacionar a si?). Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, nascido no Rio de Janeiro e residente em São Paulo, advogado de formação e profissão, autor de livros voltados para o campo da gestão empresarial, para a história da inquisição no Brasil, para a escritura em genealogia, para o registro genealógico de famílias do Piauí, além de romances históricos, apresenta-nos um novo livro: “Antepassados: genealogias patrilineares de minha mãe e de meu pai”. Dílson Lages conversou com Gilberto de Abreu Sodré Carvalho  a respeito do livro.

Dílson Lages- Antepassados: genealogias patrilineares de minha mãe e de meu pai é um livro-síntese: um diálogo com o que o senhor já pesquisou principalmente sobre genealogia e história social. O que este livro traz de novidade para os que manifestam interesse por discussões relacionadas à genealogia e estudos de famílias; especialmente cariocas e piauienses cujos antigos troncos familiares estão aqui representados?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - O trabalho mostra uma grande interligação histórica entre os personagens. No caso do Piauí, trata-se de uma história da sua formação socioeconômica e política, na viragem do século 17 para o 18. Faz-se um resumo das origens, da vida e impactos históricos de gente como o padre Miguel Carvalho de Almeida, Manuel Carvalho de Almeida e Antonio Carvalho de Almeida em   articulação com um apanhado crítico atualizado sobre dom Francisco de Castelo Branco. Também se trata, com novidades quanto à relação entre os fatos, de grandes nomes como João Gomes do Rêgo Barra, João Paulo Diniz, José Pires Ferreira, os Borges Leal, José Carvalho de Almeida. O interesse dos genealogistas e estudiosos do Piauí será atendido por informações históricas e sociais contextualizadas e articuladas. Todos os personagens estão sempre em relação com outros tantos atores mencionados, mostrando-se uma história contada a partir de pessoas. A diferença do estudo está em ir-se sempre para além de biografias estanques.          

Dílson Lages - Nesta obra, o senhor demonstra, na prática, como uma metodologia de pesquisa em genealogia pode se converter em instrumento valioso para maior segurança na realização de estudos genealógicos. Diante disso e considerando “Antepassados: genealogias patrilineares de minha mãe e de meu pai”, quais conceitos e procedimentos são vitais para uma pesquisa em genealogia eficiente?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - O decisivo ou vital é o escrutínio das fontes em busca do que faz sentido e do que é ilógico no tempo. A genealogias, no geral, tendem a ser laudatórias. Buscam o que for mais prestigioso e deixam de lado a verificação, o que seria possível com o estudo de outras fontes e da história abrangente que contém os biografados, como pano de fundo ou contexto. Penso que os estudos genealógicos devam incluir a demonstração da conjunção do biografado com outros personagens do tempo e a verificação da compatibilidade cronológica. Não é aceitável a escolha de uma fonte em desfavor de outras, sem que se contestem com clareza as fontes rejeitadas.     

Dílson Lages - A genealogia tem valorizado em sua constituição o exame de ascendentes e descendentes a partir principalmente da figura paterna. O senhor questiona esse caminho? Por quê?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Não questiono esse caminho. A patrilinearidade é uma linha narrativística que faz todo o sentido ao menos até o século 20. O que faço, no livro, é fazer com que cada personagem na patrilinearidade Carvalho seja “contrapontuado” pelo aporte vindo de sua esposa. Ou seja, a cada novo personagem Carvalho se tem uma mudança genealógica notável. Sempre se têm pai e mãe. Os filhos e filhas são muitas vezes mais influenciados pelo aporte da mãe do que do pai. Por certo, é de se avaliar, ainda que sem evidências, que alguns filhos Carvalho mais se ligassem às tradições e influências das mães.           

Dílson Lages - Neste livro, o senhor faz um apanhado da história de família e de sobrenomes à luz da história social. Com qual propósito? Qual o papel da sociologia nesse contexto?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - A Sociologia lida com as dimensões “agente” e “estrutura”. Neste quadro, os biografados são apresentados como agentes de mudança em sua própria genealogia descendente. A escolha ou a aceitação de uma esposa (mãe de seus filhos) é uma ação do personagem na estrutura da sua genealogia, ou seja, na contação, ao vivo, da sua história familiar. Há também o agente e a estrutura naquilo que o personagem ajuda a alterar, ou aceita, na estrutura social, política e econômica do seu tempo.          

Dílson Lages - A família Sodré, uma de suas origens familiares, é uma das famílias que tem sua história relatada na obra. O que o senhor mais valorizou ao percorrer a trajetória desse grupo familiar?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Penso que cada conjunto de fatos deva ser articulado sob a narrativa que mais inclua todos os mesmos fatos. Nessa perspectiva, a formação socioeconômica e política da região da Guanabara seria o caminho para se contextualizar a minha patrilinearidade por minha mãe. Assim, valorizei a narrativa que estava mais clara para mim. 

Dílson Lages - Puxando brasa para o Piauí, vamos ao que nos interessa com curiosidade ampliada: o estudo que o senhor realiza sobre o aporte “Carvalho de Almeida” e das famílias a elas relacionadas (especialmente Os Castello Branco, Borges Leal e Pires Ferreira), sobretudo nos séculos XVIII, XIX, além da primeira metade do século XX. O texto é todo escrito confrontando visões e fatos, em diferentes momentos de escritura (inclusive suas próprias interpretações são postas em confronto). Por que o senhor organiza a escritura dessa forma e não exclusivamente pelo relato uniforme de seu dizer?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Penso que todo texto historiográfico deva ser aberto para a refutação. Daí se indicarem as fontes e argumentar-se sobre posições em contrário, com clareza. O relato fechado seria mais fácil de comunicar ao leitor, mas a riqueza na apresentação de um tema genealógico está em descrever-se como se preencheram as lacunas e as incongruências prévias. A Genealogia deve apresentar o que é duvidoso ou discutível como o sendo. A História opera com base em fatos documentados, mas mesmo ela declara suas dúvidas, quando de conflito entre o que dizem os documentos.         

Dílson Lages - Qual efeito de sentido esse modo de conceber a genealogia o senhor supõe possa gerar sobre o leitor curioso e o especializado em textos desse matiz?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Penso que os genealogistas devam mostrar suas dúvidas e não escreverem textos fechados, definitivos. As suas dúvidas poderão ser resolvidas por novas pesquisas dos seus leitores ou outros pesquisadores. Fora disso, deve-se desconfiar das fontes antigas. Nesse caso, o antigo não deve prevalecer sobre o que se passou a saber nas novas pesquisas. Ou seja, os textos genealógicos antigos não são certezas, têm sempre um viés de construção de passados convenientes. A discussão sobre quem foi, de fato, dom Francisco de Castello Branco é um caso exemplar de como o que se escreveu há muitas décadas se mantém verdade para muitos.        

Dílson Lages - O senhor propõe-se a desfazer algumas dúvidas e questões inconclusas (para alguns, equívocos históricos) sobre registros realizados acerca dos Carvalho de Almeida e a teia de familiares ligados a eles. Quais questões revisitadas pelo senhor, nesta obra, são alvo de novos olhares sobre “personagens” do passado do Piauí, particularmente.

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Procuro esclarecer: a origem e status social de dom Francisco de Castello Branco; as ligações entre João Paulo Diniz e José Pires Ferreira; a origem do grande negócio da carne-seca piauiense; a confirmação dos achados de Reginaldo Miranda sobre João Gomes do Rêgo Barra, e não “Barros”; o protagonismo dos Carvalho no início do século 18 piauiense; as interações familiares na origem de Barras do Marataoã; as origens dos Carvalho de Almeida em Ribeira de Pena, no norte de Portugal; a possível paternidade do padre Miguel Carvalho de Almeida (o padre Miguel de Carvalho) do filho Manuel Carvalho de Almeida; a importância notável de João Paulo Diniz e José Pires Ferreira.       

Dílson Lages - Ao construir a teia de entrelaçamentos de famílias pioneiras do Norte do Piauí, o senhor reconstrói o perfil biográfico de figuras exponenciais no processo de colonização do Piauí. Quais cautelas o senhor adotou para fugir de perspectiva laudatória?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Assumi o compromisso comigo mesmo de não fazer a louvação de ninguém, ainda que eu seja descendente da mesma gente. Preferi discutir tudo que fosse incerto ou conflitasse com a literatura genealógica tradicional do Piauí. Penso que o resultado é equilibrado e atencioso ao que parece ser verdadeiro com o que se sabe hoje.   

Dílson Lages - O senhor está satisfeito com o resultado final de “Antepassados: genealogias patrilineares de minha mãe e de meu pai”?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Sim. Acho que cumpri o que planejei. Não é uma obra acadêmica, mas é cuidadosa no trato dos dados e na narrativa.

Dílson Lages - A genealogia hoje ganhou uma nova configuração. Considerando “Antepassados: genealogias patrilineares de minha mãe e de meu pai”, qual o sentido dela para as novas gerações de leitores e pesquisadores?

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho - Penso que consolidei o que estava nos ensaios, notas, livros e artigos, mediante análise do que parece correto e do que não. As minhas fontes estão indicadas nas referências. Creio que os pesquisadores do século 18, do norte-piauiense em especial, terão como entroncar os seus estudos genealógicos. Creio que, - do mesmo modo como Afonso Ligorio Pires de Carvalho, Edgardo Pires Ferreira, Manuel Abranches de Soveral, Reginaldo Miranda e Valdemir Miranda de Castro, me ajudaram – eu possa ajudar em estudos de genealogistas e historiadores.     

Contatos com o entrevistado pelo e-mail [email protected]