ELISABETH DA COSTA E SILVA

Por Cunha e Silva Filho

O primeiro  contato que tive com a filha caçula do poeta Da Costa  e Silva (1885-1950)  a Elisabeth, foi por escrito, precisamente  através do  iluminador ensaio do poeta, diplomata e historiador e acadêmico  Alberto    da Costa e Silva , “Notícia sobre  Da Costa e Silva, que  faz parte da 2ª edição das Poesias Completas  do pai, revista e anotada por ele e publicada pela   editora Cátedra/MEC/INL, 1976, p. 17-41.   Foi essa edição que utilizei para as minhas leituras e releituras, apontamentos  e observações que iria  desenvolver em forma de dissertação de mestrado..


Mas, o assunto dessa crônica é Elisabeth, que nasceu em 4 de outubro de 1932 no Rio de Janeiro. Alberto, ela e Alice, esta a  filha mais velha que levou o mesmo nome da primeira mulher de Da Costa e Silva, são filhos da segunda esposa  do poeta  do Zodíaco, chamada Creusa Fontenele de Vasconcelos, já falecida, e a quem ainda tive o prazer de conhecer no elegante  bairro da Tijuca. Do primeiro casamento, Da Costa e Silva  foi pai de três filhos, todos falecidos.


O meu conhecimento com a família de Da Costa e Silva se deveu a razões dos meus estudos sobre o poeta no início dos anos 90 do século passado. Estudava, então, a obra de Da Costa e Silva. Procurava material sobre o poeta e consegui  me aproximar da sua  família. Estive mesmo no Palácio do Itamaraty na Rua Marechal Floriano, centro do Rio. Fui bem recebido por um  funcionário que me   conseguiu o endereço no exterior do  Alberto da Costa e Silva. Interessante é que o funcionário  chamava o diplomata  Alberto de  “Da Costa”, que  era, então, Embaixador na Colômbia,  em Bogotá.  Depois, foi servir em Montevidéu e de lá saiu aposentado.


Durante quase três anos, o embaixador Alberto me enviava, primeiro de Bogotá e, depois, de Montevidéu, farto material sobre o pai-poeta. Isso me ajudou sobejamente, porque essa quantidade enorme de material bibliográfico sobre Da Costa e Silva eu jamais conseguiria de outra forma encontrar  no Rio ou no Piauí. O endereço das irmãs do embaixador não sei se o consegui através  do Alberto. Não me lembro. Só sei que um dia fui visitar a família do bardo de Amarante. Conheci  Dona Creusa, uma senhora ainda  bela e   elegante na sua velhice . Conheci a Alice, e conheci a Elisabeth, com quem  iria ter maior aproximação.Lá estava também o filho de Elisabeth, o padre Sergio, jovem culto, discreto, educado, conhecedor de línguas. Elisabeth sempre  se comunicou comigo e com a minha mulher, com quem fez amizade.


No dia da minha defesa de dissertação, convidei Elisabeth, Alice e a família. Mas, só compareceram as duas irmãs. Foi emocionante aquela tarde.Outras vezes, nos encontramos, Elisabeth,  minha mulher e eu. Foram encontros  de pequenas comemorações familiares.


Elisabeth, , faleceu este ano de repente. Jamais contava que isso iria acontecer a uma pessoa que me passava  tanta firmeza , tanta lucidez, tanta vida.Ela mostrava   traços visíveis do  pai,. Talvez, o olhar profundo,  o formato do rosto, o perfil.


Elisabeth  -  era assim sempre que eu a tratava -, foi professora pública municipal e estadual. Formada pelo respeitado  Instituto de Educação do Rio de Janeiro da Rua Mariz e Barros. Chegou a ser diretora de escola  pública. Por ela se aposentou. Era uma pessoa distinta, discreta e fez boa amizade com  Elza, minha mulher, até mais do que comigo Se comunicavam , de quando em quando, pelo telefone ou, por vezes,  se cruzavam pelas ruas da Tijuca,  vizinhas à Praça Saens Peña, ou mesmo entrando ou saindo de bancos perto daquela  Praça.


Elisabeth era uma dama, uma pessoa sincera, de olhar vivo e semblante simpático. Procurava o equilíbrio no interagir com os outros.Tinha, enfim, personalidade. Tinha duas adorações: seu filho Sergio e a memória do pai famoso. Mas, ao que me parece,  não era de alardear as virtudes do pai-poeta e grande poeta. Não sei como era o seu dia-a-dia como professora ou diretora de escola. Mas, presumo que o passava na simplicidade das ações, no cumprimento dos deveres. Tudo de modo discreto, sem desejar aparecer, sem pretender chamar a  atenção para si.  Trabalhara  em escolas do subúrbio  carioca. Talvez ninguém  mesmo soubesse  no trabalho que ali estava a filha do maior poeta  piauiense e de um dos mais  completos  líricos brasileiros, que ainda precisa  de ser mais estudado, pois, a meu ver, em muitos aspectos,  é superior ao  popularíssimo Augusto dos Anjos( 1884-1914), cuja obra acabo  de reler.


Vestia-se sempre com elegância discreta, sem exageros de vaidades.A discrição não impedia que nela reconhecêssemos uma lady, uma  mulher refinada, uma tijucana  de atitudes delicadas e comedidas.


Elisabeth era zelosa  ao extremo de tudo que dissesse respeito à obra do poeta ou a pertences do pai. Não seria fácil conseguir-lhe “um empréstimo” do que representasse o espólio literário paterno. Seria preciso muito tato para que  ela dele abrisse mão. Eu a entendo muito mais agora que nos deixou há   três meses. E nos deixou sem avisar, porque era ainda bem disposta e relativamente moça. Só soube das suas exéquias um mês depois por motivos que só  a cidade grande  pode explicar.


Fui assistir à missa de um mês de seu falecimento, celebrada pelo  próprio  filho, que hoje é Monsenhor e Capelão da belíssima  Igreja do Outeiro da Glória, acompanhado de outro padre. Tudo foi comovente, e tudo lembrava-lhe a pessoa pela discrição, simplicidade, sobriedade. Quiçá como ela mesma desejasse. A missa aconteceu numa igreja do seu  amado bairro da Tijuca, na igreja Nossa Senhora do Líbano,  tantas vezes freqüentada por ela e que fica perto de uma apartamento onde ela morou  com a mãe por um bom tempo. Não verei  mais  essa discreta mulher,  essa educada senhora  andando  pelas velhas ruas da Tijuca, fazendo compras ou  resolvendo  assuntos pessoais  em bancos.  Seguramente  vai  fazer falta a todos nós   que, um dia,  tivemos o prazer de fazer parte do  seu discreto  convívio.

 

Cunha e Silva Filho é doutor em Literatura e colunista de Entre-textos