[Galeno Amorim]

Dona Jamila já passou dos 80. Mas conserva uma vitalidade física e intelectual impressionante. Uma ou duas vezes por mês, ela sai bem cedo de casa e vai até o Centro da cidade. Lá chegando, entra no velho e imponente casarão que já abrigou os poderosos coronéis do café e repete o ritual de anos.

Ela vasculha, cuidadosamente, entre as prateleiras envelhecidas pelo tempo da Biblioteca Altino Arantes, diante da praça principal de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Está lá em busca de novidades. Só vai embora quando a sacola está cheia. Agora, sim: seu mês está garantido! Ou, como ela diz, a sua vida está salva...

E o que será que aquela mulher de cabelos bem brancos e aparentando uma certa fragilidade carrega com tanto esmero dentro daquela sacola? Apenas livros... E são vários deles, que ela toma religiosamente emprestados e leva junto para aonde vai.

Mais tarde, já em casa, ela vai abrir, com calma, cada um deles. Primeiro, lê o que vai escrito na contracapa. Depois, passeia pelas orelhas. Lê o prefácio e termina por cumprir, assim, um ritual de toda a vida. Em seguida, finalmente, mergulha fundo em uma nova e adorável viagem. E que prazer ela sente ao fazer isso!

A vista cansada não é desculpa: professora aposentada, ela lê, em média, quatro horas todos os dias. É pelo menos um livro novo por semana, chova ou faça sol.

Dona Jamila adora os livros de ficção, principalmente aqueles com alguma ação policial. Quando a conversa é literatura, ela diz que se sente verdadeiramente como uma adolescente, sempre à procura de novidades.

Dona Jamila trabalhou muitos anos como assistente social - primeiro na Capital, depois no Interior. Mas nunca saiu do Brasil, como, afinal, confessa que gostaria de, vez ou outra, ter feito. No entanto, parece mesmo que ela conhece o mundo todo como a palma da sua mão.

- Já estive em Paris, Roma, Londres... Sei detalhes sobre cada uma dessas cidades - ela diz, com um brilho no olhar e uma vontade irresistível de viver novas aventuras.

- Os livros mudaram a minha vida... - ela ensina, num misto de simplicidade e sabedoria.

Dona Jamila não dá bola para as estatísticas que dizem que, em países como o Brasil, com o tempo as pessoas acabam lendo cada vez menos (Retratos da Leitura, a boa pesquisa sobre o comportamento leitor dos brasileiros, revela que esse número despenca para um único livro por ano acima dos 70 anos).

A história de Dona Jamila é uma história comum. De uma cidadã comum. Sem grandes arroubos ou acontecimentos grandiosos, como ela mesma diz. Mas é a história de uma mulher simples do povo que, após uma vida inteira, continua a buscar - e a encontrar, ela garante! -, todo santo dia, um novo sentido para a sua vida em cada livro novo que lê.

Rumo aos 90, ela tem boas histórias pra contar. E uma lição diária de como se faz bons leitores num país que carece mais e mais dessa espécie.