Vista aérea de Carolina (imagem colhida na Internet).
Vista aérea de Carolina (imagem colhida na Internet).

Reginaldo Miranda[1]

 

Entre os pioneiros colonizadores do Sudeste do Maranhão e Norte de Goiás, sobretudo das vastas e ubertosas chapadas, várzeas e brejos banhados pelo rio Tocantins, figura o abastado fazendeiro e intemerato militar Ladislau Pereira de Miranda. Foi chefe político, um dos fundadores e grande benfeitor da vila de Carolina, então pertencente à província de Goiás e, por sua influência, passada à do Maranhão. Também, de Riachão, na última província.

Nasceu o coronel Ladislau Pereira de Miranda, na fazenda Buriti, situada no médio-curso do rio Piauí, fundada por seus avoengos. Foi em 27 de junho de 1784, daí ter recebido na pia batismal o nome do taumaturgo magiar, sendo seus genitores, ao que supomos, o capitão Luiz Pereira de Miranda, antigo vereador do senado da câmara de Oeiras e d. Maria da Conceição. Embora haja incerteza quanto ao nome dos genitores[2], não restam dúvidas de que era descendente do capitão-mor João Rodrigues de Miranda e de sua esposa Josefa de Sousa, pioneiros dessa geração.

Em 1807, na companhia de diversos parentes e com 23 anos de idade, comparece à reunião de apoio ao governador Carlos César Burlamaqui, que enfrentava a prepotência do general do Estado, sendo um dos que declararam a idoneidade e probidade daquele governante. Certamente, viveu a infância naquela fazenda, entretido entre a instrução primária e as peraltices próprias da idade. Na mocidade, dedicou-se ao criatório bovino e assentou praça no posto de alferes do regimento de milícias de Oeiras, a cuja jurisdição pertenciam aquelas terras. Não sabemos ao certo quando ele deixou aquele vale ribeirinho, mas o nosso ancestral Felipe Nery de Miranda, que era seu primo e também comparecera àquela reunião, dois anos depois, mudou seu domicílio para o vale do rio Itaueira, levando mulher filhos. É provável que naquele mesmo período também Ladislau Pereira de Miranda tenha mudado com sua família para o vale do rio Tocantins, onde haviam pingues terras a serem conquistadas.

Sem perda de tempo, funda diversas fazendas nas duas margens daquele rio, amanhando gado e os comercializando nas feiras das minas, como também faziam outros seus contemporâneos. Segundo o testemunho de um velho morador contemporâneo de Miranda, Joaquim Pereira Marinho, citado por Parsondas de Carvalho, “em 1828 a única fazenda grande situada na margem esquerda [do rio Tocantins] era Monte Santo, de Ladislau Pereira de Miranda, um pouco acima da altura da foz do Manuel Alves. Abaixo, os primeiros povoantes, passando e situando seus gados na margem esquerda, não ousavam dormir lá, e todas as noites vinham do lado de cá repousar. (...). Não se conhece o Araguaia. O Oeste era um mundo só dos índios”[3].

Portanto, desde o tempo da Independência, o alferes Ladislau Pereira de Miranda já morava e criava no vale do rio Tocantins, terras da atual Filadélfia e da Carolina. Morando nessa vasta e inculta região, mais tarde participou da fundação da vila de Riachão, na povoação de mesmo nome. Em 16 de novembro de 1832, com 48 anos de idade, compareceu em audiência naquela vila para testemunhar no inventário de seu conterrâneo Elias Ferreira Barros, outro pioneiro na colonização daquela região, com quem andara nas conquistas. O cronista Paulo Noleto Queiroz, ancorado em anotações de seu genitor José Queiroz, dá esse evento como motivo da mudança desse alferes de milícias para a vila de Riachão, naquele mesmo ano. No entanto, temos prova de que ele ali residia desde um pouco antes, porque em 4 de janeiro daquele ano foi autuada na Câmara Episcopal de São Luís, uma petição sua pedindo “licença para se benzer e depois poder-se celebrar nela o santo sacrifício da missa” na capela de Nossa Senhora de Nazaré, no Riachão, que fora construída em 1822, sob a liderança do falecido Manuel Coelho Paredes. Pedia que a licença fosse concedida “pelo tempo de um ano, enquanto se prontificava o patrimônio”[4]. Está, assim, entre os beneméritos do lugar. Cidadão esclarecido, com conhecimento acima da média, em 1836, foi nomeado como primeiro promotor público da vila de Riachão, criada e instalada no ano anterior. Por esse tempo, “era casado, com quatro filhos já crescidos e criador de gado”[5].

Encontrando-se no afã desse trabalho na vida pública e na iniciativa privada, corria o ano de 1838, quando estoura rebelião de massas sacudindo os sertões do Piauí e Maranhão. Essa insurgência ficou conhecida pelo epíteto de Balaiada. Envergava então a patente de major da guarda nacional, quando voluntariamente se levanta em defesa da legalidade. Reuniu poderosa força entre seus parentes, vizinhos, amigos, agregados e indígenas, combatendo os rebeldes que tentavam entrar em sua jurisdição, em cujas lutas houve-se com estratégia e determinação. Segundo o testemunho do polígrafo Clodoaldo Freitas, fundador das academias maranhense e piauiense de letras, veio do Riachão o major Ladislau Pereira de Miranda, ao lado do capitão Francisco Silva, comandando uma tropa “de 400 homens, bem armados e municiados”, além “de grande número de caboclos nus, armados de arco e flechas, dirigidos por um deles, a quem chamavam capitão Joaquim”[6].

Lutou no sul do Maranhão, ao lado dos piauienses, integrantes da Coluna do Oeste, sendo destemido e firmando reputação. Por essa razão, em 1840, recebeu correspondência do presidente da província de Goiás, D. José de Assis Mascarenhas, para com ele encontrar-se na vila de Carolina, que então pertencia àquela província. Desejava contratá-lo para enfrentar os rebeldes balaios, antepondo-lhes resistência e, assim, impedindo-os de fazerem tropelias naquela província. Na ocasião foi organizada a guarda nacional da vila de Carolina, sendo o tenente-coronel Ladislau Pereira de Miranda nomeado seu comandante superior. Segundo o presidente daquela província, nomeou-o “pelos seus merecimentos e grandes serviços prestados à legalidade goza[ndo] do mais abalizado crédito, respeito e estima geral: muito esper[and]o deste distinto cidadão”[7].

Esses fatos foram assim relatados pelo cronista Paulo Noleto Queiroz:

“No ano de 1840, quando a Villa da Carolina ainda pertencia à Província de Goiás, Ladislau Pereira de Miranda, no Riachão, recebeu a seguinte correspondência do fidalgo Presidente da Província de Goiás, Dom José de Assis Mascarenhas:

‘- Sabedor da sua ilibada conduta, bem como de ser um valoroso e determinado homem no exercício de todos os direitos, suplico aceitar o enfrentamento, com todos os pesos possíveis de suas mãos, aos rebeldes da Balaiada que debandaram para o norte desta pacífica Província de Goiás. Estarei descendo agora mesmo o rio Tocantins para a Villa da Carolina, aonde espero encontrá-lo para firmarmos um contrato. Respeitosamente...

‘Realmente ainda naquele ano de 1840 Dom José de Assis Mascarenhas e Ladislau Pereira de Miranda se encontraram na Villa da Carolina goiana e, com relutância, chegaram a um acordo – Ladislau aceitou com a promessa de receber poder político e honrarias que foram fielmente cumpridas de parte a parte. Aí, então, ter-se-ia dado a sua transferência para a Villa da Carolina no ano de 1841.

‘Ladislau Pereira de Miranda gostou muito de lá e resolveu se fixar, definitivamente, com toda a família. Pelo fato de possuir características próprias, tornou-se um grande líder político e muito respeitado. Exerceu a função de Juiz de Paz e continuou na sua vida privada de fazendeiro”[8].

Entretanto, é preciso esclarecer que essa é a data de fixação do coronel Ladislau na vila de Carolina e não em seu termo, porque os registros históricos demonstram que antes de fixar sua morada na vila de Riachão, o que aconteceu em 1832, morava no vale do rio Tocantins, termo da futura vila de Carolina. Em 1828, segundo o testemunho de Pereira Marinho, era senhor da única fazenda situada na margem esquerda daquele caudaloso rio, onde, certamente, chegara algum tempo antes. Por essa razão, insculpe seu nome entre os fundadores da vila de Carolina[9].

Passada essa fase bélica, em retribuição pelos relevantes serviços foi promovido à patente de coronel e condecorado cavaleiro da Ordem do Cruzeiro, esse último por despacho de 18 de julho de 1841[10].César Marques o trata por comendador[11].

Quarenta anos depois, um adversário de sua família na política de Imperatriz, mesmo tentando ultrajar a sua honra, admite seu pioneirismo na colonização do lugar:

“Muito rareada era ainda a povoação da margem direita do Tocantins nesta província em 1840.

‘Do rio Manoel Alves ao rio Farinha, o terreno estava plenamente conquistado aos índios e ocupado por muitos fazendeiros, distinguindo-se entre estes pelo seu poderio o coronel Ladisláo Pereira de Miranda”[12].

De fato, o coronel Ladislau Pereira de Miranda era abastado fazendeiro, possuindo imensas boiadas que pastavam em vinte léguas quadradas de terras, onde pelejava contra os índios Xavantes, segundo testemunhou o naturalista inglês educado na França, Francis de Castelnau. Empreendendo viagem pelo rio Tocantins, em julho de 1843, esse naturalista o visitou em seus domínios, na companhia de dois botânicos e um taxidermista:

“No dia 15 fizemos quatro léguas e meia de percurso, sem encontrar nenhum obstáculo à navegação; as margens do rio eram constituídas de argila cinzenta, das que se utiliza no fabrico de telhas. Mais ou menos no meio do trajeto passamos pela barra de um rio, que nos informaram ser o de Manuel Alves Grande. Passamos a noite na fazenda dos Patos, pertencente ao coronel Ladislau, que se ocupa de criar gado e é dono também de outra, situada em frente, na margem esquerda e é chamada Monte Santo. Cerca de meia légua a oeste da fazenda de Monte Santo, fica um pequeno aldeamento de índios Craôs, cuja população não excede 25 habitantes e tem apenas três ou quatro casas.  Estes índios foram trazidos pelo coronel fazendeiro do outro aldeamento da mesma tribo por nós visitado dias antes. Deviam servir de guarda avançada contra os terríveis Xavantes, na defesa das duas grandes propriedades. Quando chegamos à fazenda dos Patos o coronel estava ausente, mas os nossos homens tinham aproveitado o seu tempo muito ativamente; enquanto uns carneavam um boi, outros tinham ido à caça numa mata próxima, conseguindo matar uma bela anta (tapir) e cinco grandes porcos do mato (pecari). Já a carne de todos estes animais se achava cortada em tiras estreitas e expostas ao sol, depois de devidamente salgadas”[13].

Continua o naturalista, informando sobre a chegada do proprietário daquelas terras e de sua luta contra os Xavantes para manter a integridade de seu criatório:

“No dia 16, muito cedo, voltou o coronel. Tinha sabido de nossa chegada à fazenda Monte Santo, vindo logo ao nosso encontro. Chegou numa canoa grande, repleta de mantimentos de toda espécie, com que generosamente nos presenteou. Avaliava ele suas propriedades, ao todo, em vinte léguas quadradas. Elas estão localizadas em plena região dos Xavantes, que muitos cavalos e bois lhe haviam matado, sem falar num de seus empregados. Também, para lhes dar caça, havia ele organizado pouco tempo antes uma expedição. O governo nunca se envolve nestas pequenas questões e enquanto a tropa regular vive nas capitais a acompanhar procissões, os habitantes do sertão, entregues a si próprios, organizam bandeiras, se não se acham dispostos a morrer sem defesa às mãos dos selvagens”.

Prossegue o mesmo informante, detalhando a última bandeira liderada pelo coronel Ladislau contra aqueles indígenas:

“À frente de cento e trinta homens, o coronel Ladislau havia penetrado nos aldeamentos dos Xavantes, fazendo cinquenta e um prisioneiros, sem contar os que deixou mortos no campo da luta. Os prisioneiros foram repartidos entre os sitiantes da zona. Quanto à bandeira, teve ela apenas um morto e dois ou três feridos e ainda assim por imprudência.  Os Xavantes têm consigo, como escravos, muitos prisioneiros brasileiros, com os quais usam o máximo rigor, matando-os pela menor culpa ou mais leve tentativa de fuga. Contam ainda que possuem entre seus chefes vários negros e uma mulata, os quais, pelo conhecimento que têm dos lugares, lhe são muito úteis e ainda mais ferozes que eles.

‘Diversos escravos cristãos tinham sido libertados e trazidos pelo coronel; mas a maioria destes infelizes se achava fora do aldeamento quando ali aportou a bandeira, tendo por isso de ser deixados atrás. Alguns dos membros desta expedição observaram nas choças dos Xavantes indícios certos de antropofagia. Em várias casas viam-se farrapos de carne humana pendentes do teto, ao passo que em muitos lugares viram-se ossadas, parcialmente roídas e carbonizadas.

‘Estes selvagens costumam devorar também os parentes velhos, aos quais, segundo dizem, matam no momento de exalarem o último suspiro. Foi notado que os pés e as mãos são as partes do corpo por eles preferidas; isso porque, a seu ver, as outras partes do corpo dos cristãos têm gosto muito amargo. Possuía o coronel em seu serviço um índio xavante, trazido quando pequeno. Tão certo de sua fidelidade estava o dono, que não hesitou em levá-lo na última expedição; entretanto, este desgraçado fora feito prisioneiro, escapando de ser morto apenas por milagre. Quando o vimos, tinha uma mão e as orelhas cortadas, e a cabeça horrivelmente dilacerada”.

Diante desse relato de um viajante estrangeiro, fica-se sabendo o cotidiano dos fazendeiros daquela época no vale do rio Tocantins, especialmente do biografado. Ainda conforme essa narrativa, sabe-se da luta para defender-se dos indígenas, mantendo a integridade de sua vida e fazendas. Assim também, da triste situação dos indígenas, que sofriam com a entrada dos fazendeiros colonizadores em suas terras, sem qualquer ação do governo para acomodar com segurança ambas as partes.

Enfrentado todas essas adversidades, o coronel Ladislau Miranda ainda tinha tempo para prestar outros relevantes serviços à pátria. Em 28 de agosto de 1852, enviou ao presidente da província “o roteiro da sua expedição, que abriu a picada dessa Vila [da Carolina] para o rio Araguaia, até o lugar, em que outrora existiu o Presídio Santa Maria”, onde seria fundada uma importante povoação; apresentou a prestação de contas e o saldo de 370$280 réis, que existia em seu poder, ocasião em que aquela autoridade mandou fosse aplicado na compra de fazendas e ferramentas a serem entregues ao missionário dos índios novamente aldeados no Ribeirão das Piabanhas[14]

Sobre o assunto, assim esclareceu o presidente daquela província, Eduardo Olímpio Machado, em sua mensagem à Assembleia Provincial:

“Não conhecendo bem os recursos da Província, pensei, que podia formar desde logo em cada Presídio um núcleo de povoação, e a este respeito entendi-me com os Párocos e Juízes de Paz: os embaraços, com que tive de lutar, devidos a um sem número de causas, que não vos são estranhas, me obrigaram a desistir de semelhante ideia, e ater-me por enquanto à simples destacamentos militares. Colocados estes, e regularizada a navegação, é provável, que a população aflua para as margens do Araguaya que oferecem ótimas terras e excelentes pastagens. Entretanto, para não deixar tudo à ação do tempo, forneci ao Coronel Ladislao Pereira de Miranda os meios necessários para abrir uma picada da Villa da Carolina ao Araguaya tendo em vista lançar com ela os primeiros fundamentos da futura povoação desses incultos sertões, e abrir aos Presídios, que forem estabelecidos posteriormente em Santa Anna e na Cachoeira Grande, um ponto de comunicação, onde possam refazer-se dos socorros precisos. O Coronel Miranda participou-me, que até o fim de março próximo findo daria começo à abertura da referida picada”[15].

Na oportunidade, o governo provincial expôs ao Império a necessidade de aliviar de alguns impostos os negociantes de Goiás e do Pará, que, por sua conta e risco, transportassem suas mercadorias pelo rio Araguaia. Medida essa que visava desbravar aquela desconhecida região, somente habitada pelas nações indígenas.   

No entanto, por aqueles dias, grande era a insatisfação do povo com o governo de Goiás, porque a longa distância da capital impedia que ali chegassem a contento as ações do governo e os remédios da justiça. Duzentas e setenta léguas, os separava de Goiânia, enquanto São Luís distava apenas um terço dessa distância. Acirrou-se então forte litígio na região, sendo aquele território reivindicado pelos dois governos. Foi quando o coronel Ladislau Miranda, apesar de muito prestigiado pelo governo de Goiás, assumiu a dianteira da população e a convocou para uma reunião. Depois de debaterem o assunto, redigiu ele um manifesto em que firmou sua assinatura, seguido pelos principais moradores daquele termo, ao todo 422 assinaturas. A reunião foi realizada em seu casarão, dia 8 de janeiro de 1852, decidindo pela mudança da vila para a província do Maranhão. Em seguida, foi o documento encaminhado ao deputado maranhense Cândido Mendes de Almeida, que abraçou a causa. Depois de muita discussão, foi dirimido o conflito que se arrastava desde 1810, resultando no retorno do termo de Carolina à província do Maranhão. Em 1859, foi essa vila elevada à categoria de cidade[16].   

No entanto, em 5 de abril de 1853, extemporaneamente, o coronel Miranda ainda foi pelo governo de Goiás, nomeado para Primeiro Suplente de Delegado de Polícia da Vila de Carolina; seguido na suplência, em ordem decrescente, por Amaro Baptista Bandeira (2º), Thomaz de Aquino Pereira (4º), João Gonçalves de Andrade (5º) e Filadelfo Antônio de Noronha (6º)[17].

Segundo Paulo Noleto Queiroz, o coronel Ladislau Pereira de Miranda casou-se duas vezes, não sendo “possível encontrar, nas pesquisas feitas, os nomes das esposas”, “no entanto, consta sem provas, serem elas Plácida da Fé e Maria Carvalho”[18]. Felizmente, encontramos na imprensa contemporânea confirmação do nome dessa última.

Faleceu o coronel Ladislau Pereira de Miranda, na vila de Carolina, em 7 de abril de 1855, com 71 anos de idade, incompletos. No anedotário desse militar e fazendeiro, consta que, encontrando-se em uma de suas fazendas, a Boa Vista, situada à margem esquerda do rio Manoel Alves, pressentiu o momento de sua morte, de cujo fato avisou ao vaqueiro. Por essa razão, foi à vila de Carolina, onde comunicou aos parentes e fez testamento[19], morrendo, de fato, no dia que avisara, “na presença de toda a família sem nenhum sofrimento”. Esse fato foi anotado por José Queiroz e divulgado por seu filho Paulo Noleto Queiroz, ambos grandes divulgadores da cultura de Carolina. Segundo esses cronistas, deixou ele quatro filhos, a saber:

Tte.-Cel. Tito Pereira de Miranda, fazendeiro e político na vila da Boa Vista, província de Goiás, onde ocupou diversos cargos públicos, inclusive de juiz municipal e de órfãos, membro de comissão para construção da igreja matriz[20]; casado e com seis filhos: Pedro, Luiza, Sabina, Germana, Quintiliana e Marta;

Capitão Mathias Pereira de Miranda (1815 - 9.5.1880), fazendeiro e político, casado duas vezes, sendo a primeira com Helena Ribeiro, de cujo consórcio deixou os filhos Anselmo e Epifania Pereira de Miranda; em segundas núpcias, com Benedita de Almeida Coimbra, sem filhos, tendo esta depois de viúva contraído segundas núpcias “e teria sido a causadora indireta da ‘Guerra da Boa Vista’, entre Leda e Padre João”; a notícia de seu óbito foi assim anunciada na imprensa: “Falecimento: - Faleceu no dia 9 deste mês e sepultou-se no cemitério desta cidade [de Carolina] o capitão Mathias Pereira de Miranda na idade de 65 anos. O finado era filho do coronel Ladislau Pereira de Miranda, um dos primeiros habitantes e fundadores da vila de Alcântara, hoje cidade de Carolina. Deixa uma fortuna de cincoenta contos de réis em gado vacum e cavalar, tendo alforriando 12 escravos que possuía”[21].

Sabina Pereira de Miranda, casada com o tenente-coronel Cosme Coelho de Souza[22], o velho, fazendeiro e chefe político, comandante superior da guarda nacional de Carolina por decreto de 26.6.1858; residente em Riachão, onde exerceu o cargo de delegado de polícia, delegado literário, juiz de paz, juiz municipal e órfãos e juiz de direito interino; falecido em Barra do Corda, no ano de 1884; com cinco filhos, a saber: Severino, Tito, Luís, Antônia e Maria.

Egídia Pereira de Miranda[23], casada com o coronel Amaro Baptista Bandeira, fazendeiro, foi coletor das rendas provinciais da vila de Riachão, mudando-se, depois, para Imperatriz onde foi benfeitor e chefe político, sendo vereador (1862, 1868), juiz municipal e órfãos, comandante superior da guarda nacional, presidente do Conselho de Intendência de Imperatriz (1890)[24], cujos “numerosos descendentes, espalhados por vários lugares, ainda hoje lhe honram o nome”.

Segundo aqueles cronistas carolinenses,

“Apesar de toda a família Pereira de Miranda ir se dispersando através dos anos, hoje ainda existem muitos descendentes[25] residindo por várias cidades do Brasil, como Brasília, Palmas, Goiânia, Riachão, etc.. ... a ele cabe parte das responsabilidades pelo desenvolvimento de Carolina, principalmente por parte dos seus descendentes que se radicaram, casaram e proliferaram em Carolina, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento da cidade nas áreas social, econômica e cultural”[26].

Conforme dissemos em outra parte, antes de morar na vila de Carolina, a partir de 1841, e mesmo na de Riachão, no entrono de 1831, o coronel Ladislau Pereira de Miranda já morara no primeiro termo, desde ao menos a década iniciada em 1820. Foi um dos fundadores dessa vila, além de seu benfeitor, sendo ali comandante superior da guarda nacional e o principal representante do governo de Goiás, fato que não o impediu de liderar a transferência daquele termo para o governo do Maranhão. Também, foi pioneiro na abertura de caminhos para o Araguaia e na colonização do norte de Goiás, atual Estado do Tocantins. Com essas notas, coligimos informações esparsas e reconstituímos para a posteridade alguns traços da vida e obra desse distinto desbravador, fazendeiro, militar e político brasileiro.

 


[1] Membro Titular da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Contato: [email protected]

[2] Outros filhos de João Rodrigues de Miranda que assinavam com “Pereira de Miranda”, foram Antônio, José e Julião Pereira de Miranda.

[3] CARVALHO, Parsondas. Do Pará ao Rio – 4ª Conferência realizada em 18.1.1902, na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Jornal do Brasil, 29.1.1902.

[4] Câmara episcopal de São Luís do Maranhão. Petição de Ladislau Pereira de Miranda  outros moradores da vila de Pastos Bons – 1832.

[5] QUEIROZ, Paulo Noleto. Um chefe político respeito previu o dia da sua morte (Ladislau Pereira de Miranda). Folha do Maranhão do Sul n.º 350, maio/2008.  

[6] FREITAS, Clodoaldo. A Balaiada. Coleção Centenário 142. Teresina: APL, 2019.p. 70.

[7] O Despertador, 14.11.1840; Jornal do Comércio,15.14.1840.

[8] QUEIROZ, Paulo Noleto. Op. Cit.

[9] A povoação foi soerguida em 1820, pelo piauiense Elias Ferreira Barros, provavelmente, com a ajuda de Ladislau Pereira de Miranda, que se fixara em seu termo, daí saber testemunhar em seu inventário. Foi elevada à categoria de vila por decreto de 25.10.1831 e à de cidade pela lei provincial nº 527, de 8.7.1859.

[10] O Despertador, 24.7.1841; Diário do Rio de Janeiro, 26.7.1841.

[11] Jornal do Brasil, 6.5.1982.

[12] Apontamentos para a história do Maranhão e Goyaz – Comarca de Imperatriz. O Paiz, 27.4.1881.

[13] CASTELNAU, Francis. Expedição às regiões centrais da América do Sul. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. Brasiliana 266. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1949.

[14] Correio Official de Goiaz, 21.4.1852.

[15] Falla do Presidente da Província de Goyaz: Assembleia Legislativa Provincial (GO), em 1º de maio de 1850.

[16] QUEIROZ, Paulo Noleto. Abaixo-assinado. Folha do Maranhão do Sul n.º 343, Fev/2008; Ladislau Pereira de Miranda. Folha do Maranhão do Sul n.º 350, Maio/2008.

[17] Correio Official de Goyaz, 29.10.1853.

[18] QUEIROZ, Paulo Noleto. Ladislau Pereira de Miranda. Folha do Maranhão do Sul n.º 350, Maio/2008.

[19] A localização desse testamento, assim como do registro de óbito e dos autos de inventário, pode dirimir dúvidas sobre filiação, matrimônio, número de filhos e quantificar seu patrimônio.

[20] Correio Official de Goyaz, 24.9.1870; 27.3.1872; 25.4.1874.

[21] Diário do Maranhão, 27.5.1880).

[22] Eram sogros do Dr. João Paulo Dias Carneiro, falecido em 7.6.1884; e avós do bacharel em direito pela Faculdade do Recife (1909), Cosme Coelho de Souza, o neto, advogado, promotor público, juiz municipal, juiz de direito e político em Carolina (Paulo Noleto Queiroz).

[23] Filha de Maria (Diário do Maranhão, 27.8.1875).

[24] A República, 14.2.1890; A Coalizão, 28.1.1866; Publicador Maranhense,16.10.1862.

[25] “Apenas para se ter uma ideia, em Carolina reside o Dr. Ronald de Assis Coelho, um competente médico, filho de Hildebrando Coelho de Miranda e, quase com certeza, é trineto do Cel. Ladislau” (Paulo Queiroz).

[26] QUEIROZ, Paulo Noleto. Op. Cit.