Vista aérea da cidade de Amarante, vendo-se ao fundo a igreja matriz de S. Gonçalo, onde paroquiou o cônego Baptista.
Vista aérea da cidade de Amarante, vendo-se ao fundo a igreja matriz de S. Gonçalo, onde paroquiou o cônego Baptista.

                                                                                     Reginaldo Miranda[1]

 

Entre os vigários piauienses do final da era imperial e primeira fase do período republicano, figura o cônego Francisco José Baptista, que paroquiou por largos anos as freguesias da Sé de São Luís do Maranhão, São Gonçalo de Amarante e São Gonçalo da Regeneração, essas duas últimas no Piauí.

Aliás, nasceu esse venerando sacerdote em 1854, na vila de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração, no Médio-Parnaíba piauiense. Foi batizado em 5 de junho do ano seguinte, na igreja matriz de S. Gonçalo, pelo reverendo vigário José Vicente Pereira. Recebeu por padrinhos Ernesto José Baptista e Ana Franca da Silva. Foi sua genitora d. Rolinda Joaquina da Silva Franca, fazendeira e negociante de fazendas. A avó materna Ana Franca da Silva, embora natural da freguesia de Valença[2], também residia naquela vila desde seu início, onde exercia a atividade de negociante, ali vindo a falecer em 1871. Eram todos legítimos cristãos-velhos. Sobre sua família e profissão, interessante é o depoimento[3] do comerciante português ali radicado, João Ribeiro Gonçalves, prestado em 5 de julho de 1876, em autos de habilitação do biografado às ordens sacras:

“... que conhece bem o habilitando, o qual é natural e morador nesta mesma Freguesia, e o conhece desde que ele nasceu, visto ele testemunha ser morador neste lugar a trinta e quatro anos;

‘...  que conhece a Rolinda, mãe do habilitando, que vive de negócios de fazendas; é natural desta mesma freguesia, onde nascera em mil oitocentos vinte e nove, e mora no lugar Povoação de São Gonçalo, hoje Regeneração; e que a conhece desde o ano de mil oitocentos quarenta e dois, ...”.

‘... que desde o ano de mil oitocentos quarenta e dois, tempo em que chegou a este lugar, conheceu Ana Franca da Silva, a qual já era negociante, e morava no mesmo lugar em que mora a dita Rolinda; em cujo lugar falecera em mil oitocentos setenta e um, e que sabe que a dita Franca era natural por ouvir dizer da Freguesia de Valença, desta Província do Piauhy”.  

No entanto, nem o termo de batizados ou os depoimentos prestados perante o vigário da vara trazem o nome do genitor de nosso biografado. Isto porque fora fruto de união estável com impedimentos no código canônico. Sua mãe fora casada com Feliciano Moreira Ramos, de quem se separara de fato, mas somente alcançara o divórcio perpétuo por sentença apostólica de 10 de maio de 1861. Todavia, o nome dos padrinhos indica linha de parentesco com Ernesto José Baptista, possivelmente seu avô paterno, vez que fizera dobradinha com a avó materna no batizado do neto. Em testamento lavrado em 10 de outubro de 1881, declara d. Rolinda Joaquina da Silva Franca, que tivera sete filhos, sendo dois de suas legítimas núpcias e quatro em estado de divorciada, na seguinte ordem: Antônio Moreira Ramos Neto, falecido antes da genitora; Victalina da Silva Moreira, que fora casada com o tenente Delfino José de Neiva; Francisco José Baptista, que recebeu ordens sacras à expensas dela, cujas despesas fizera de livre e espontânea vontade, não querendo restituição nem remuneração alguma; Osório José Baptista, Deolindo Antônio Pessoa[4] e Ana Joaquina da Silva Pessoa, de 16 anos àquele tempo[5]. Por essa razão, para receber as ordens sacras teve o seminarista Baptista de requerer e receber por despacho exarado em 19 de agosto de 1878, dispensa do impedimento canônico resultante da irregularidade ex defectu natalium.

Viveu o pequeno Francisco José, toda a sua infância na vila de São Gonçalo, alternando as brincadeiras de criança entre a praça da matriz e as barrancas do rio Mulato. Alcançando a idade escolar foi alfabetizado na escola pública da povoação, cujas aulas desde 1853 eram ministradas pelo professor João Vicente Pereira.

Todavia, quando contava 7 anos de idade sofreu a vila grande atribulação com a transferência da sede municipal para a margem direita do rio Parnaíba, em distância de três léguas, depois de grande contenda política, formando-se partidos pró e contra a transferência. A nova sede municipal recebeu o nome de Amarante. Formaram seus familiares entre os que se posicionaram contra a transferência da sede municipal, ali permanecendo com seu domicílio mesmo depois desse revés. Assim, permaneceu morando no mesmo lugar onde nascera, agora denominado “Vila Velha”, “São Gonçalo Velho” ou povoação da Regeneração. Certamente, concluiu seus estudos primários na nova povoação de Amarante.

Depois rumou para a cidade de São Luís do Maranhão, matriculando-se como aluno interno no Seminário de Nossa Senhora das Mercês[6], chamado Seminário Menor, porque desde cedo demonstrara vocação para a vida sacerdotal. Mais tarde, com o progresso nos estudos passou ao Seminário Episcopal de Santo Antônio, onde concluiu os estudos, ordenando-se sacerdote em 1878. Provavelmente, celebrou a primeira missa na capela de São Gonçalo da Regeneração, sua terra natal, como é costume.

No entanto, dada a sua inteligência e preparo intelectual, permaneceu na cidade de São Luís do Maranhão, na atividade sacerdotal e no magistério. Assumiu a cátedra de Francês, do Seminário de Nossa Senhora das Mercês[7]. No período de 3 de setembro a 28 de dezembro de 1888, exerceu o cargo de inspetor da instrução pública da província[8]. Por portaria de 18 de setembro de 1888, foi nomeado para exercer o cargo de Delegado Especial da Inspetoria Geral da Instrução Pública primária e secundária do município da Corte na capital da província do Maranhão[9]. Filiou-se ao partido conservador, fazendo parte da direção do partido, secretário, algumas vezes respondendo interinamente pela presidência[10]. Presidente da Sociedade Beneficente Filial da irmandade do Bom Jesus da Coluna, eleito em 1º de março de 1887[11]. Abolicionista, era um dos líderes do Club Artístico Abolicionista Maranhense, de cuja agremiação presidiu algumas sessões, defendendo “que a escravidão era contrária a todas as leis divinas e humanas”[12]. Capelão da Irmandade da Virgem Santíssima Senhora dos Remédios, protetora do comércio e navegação. Mordomo do Hospital de Caridade da Santa Casa de Misericórdia[13]. Em fevereiro de 1890, foi nomeado coadjutor da freguesia da Sé de Nossa Senhora da Vitória[14].

O cônego Baptista ganhou fama de orador eloquente em São Luiz do Maranhão. Em 8 de setembro de 1887, “na igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em festa solene, tendo por objeto o benzimento da imagem da santa, que estivera a retocar, a fim de nela serem reparados os estragos feitos pelo tempo”, “ao Evangelho, ocupou a tribuna sagrada o reverendo cônego Francisco José Baptista, que em frase inspirada fez a apologia do culto das imagens, combatendo aqueles que o condenam, e fazendo-se ouvir religiosamente por todos os assistentes”[15].

Em dezembro de 1892, retornou à terra natal, assumindo como vigário colado a freguesia de São Gonçalo de Amarante, onde fixou residência[16]. Desenvolvendo ali interessante trabalho apostolar alcançou notável prestígio no seio da comunidade.

Mais tarde, com o desmembramento da freguesia de São Gonçalo da Regeneração e a remoção de seu primeiro vigário, foi o cônego Francisco José Baptista nomeado vigário encarregado daquela freguesia por provisão de 5 de setembro de 1890. Nesse exercício permaneceu por quase nove anos, até 23 de abril de 1899, quando reassumiu seu primeiro titular, cônego Carino Nonato da Silva.

Em face do prestígio alcançado no seio da comunidade cristã, não poderia deixar de imiscuir-se na política partidária[17]. Em 2 de março de 1898, foi eleito deputado estadual para completar o quatriênio[18] iniciado em 1896, na vaga do Dr. João Motta. Sendo diplomado em 1º de junho daquele ano, foi saudado na assembleia legislativa pelo colega deputado Joaquim das Chagas Leitão, dizendo este que “sentia-se satisfeito com a eleição do seu distinto colega e amigo cônego Francisco José Baptista, cujas qualidades cívicas enalteceu, concluindo por felicitar a Câmara pelo auspicioso acontecimento da eleição de mais um denodado campeão das grandes e liberais ideias”[19]. Agradecendo aos elogios, o cônego Baptista declarou que “tudo faria para corresponder à confiança em si depositada, tomando como bússola a justiça e a tolerância”[20]. Nesse mandato parlamentar encontrou seu irmão capitão Osório José Baptista, que representou a vila de Regeneração nas legislaturas iniciadas em 1892 e 1896, inclusive na Constituinte de 1892.

Concluído seu mandato parlamentar, voltou o cônego Baptista à vida eclesiástica. Ainda em fevereiro de 1899, foi nomeado vigário da freguesia de Picos, hoje Colinas, no Maranhão[21].

Faleceu o cônego Francisco José Baptista, em 24 de junho de 1901, na cidade de Parnaíba (PI), com apenas 47 anos de idade.  Deixou um nome honrado e larga folha de serviços prestados no Meio-Norte brasileiro. Em sua terra natal, a cidade de Regeneração, foi homenageado com o nome da única escola pública então existente, Escola Agrupada Cônego Baptista, que hoje não mais existe, tendo funcionado em prédio onde depois foi construída a prefeitura municipal. Com essas notas realçamos a memória desse ilustre sacerdote, parlamentar e líder abolicionista piauiense.

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado, cofundador e ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP), ex-membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, em duas gestões, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Autor de diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual (UFPI-ESAPI). Contato: [email protected]

[2] Era filha de Pedro José Nunes e Ana Bernarda da Silva, patriarcas de grande geração.

[3] Depoimento prestado em 5.7.1876, na cidade de Amarante, em casa do Muito Reverendo Vigário da Vara, José Marques da Rocha, por João Ribeiro Gonçalves, de idade que disse ter 53 anos, natural do Reino de Portugal, morador na freguesia de São Gonçalo de Amarante, viúvo (Câmara Episcopal – Genere de Francisco José Baptista, Maranhão – 1874).

[4] Exerceu o cargo de vereador em Regeneração.

[5] Inventário de Rolinda Joaquina da Silva, falecida em 21.11.1881, na povoação de Regeneração, onde nasceu e sempre residiu. Inventariante: Delfino José de Neiva. Autuado em 4.2.1882.

[6] Diário do Maranhão, 14.11.1874.

[7] Almanack do Diário do Maranhão, 1881.

[8] O Paiz, 4.9.1888 e 29.12.1888. Diário do Maranhão, 13.9.1888, 18.9.1888.

[9] Brasil. Ministério do Império. Relatório da Repartição dos Negócios do Império (RJ) – 1832 a 1888.

[10] Diário do Maranhão, 18.3.1887, 12.12.1888. Pacotilha, 7.3.1887, 6.8.1888.

[11] Pacotilha, 2.3.1887.

[12] Pacotilha, 29.7.1887.

[13] Pacotilha, 21.3.1889.

[14] Pacotilha, 10.10.1887, 22.2.1890. Diário do Maranhão, 22.2.1890.

[15] Pacotlha, 9.9.1887.

[16] A Cruzada, 2.12.1892.

[17] No Piauhy. Da capital seguiu para Amarante, onde é influência política, o conhecido cônego Francisco José Baptista” (Diário do Maranhão, 7.1.1898).

[18] Relatórios dos Presidentes dos Estados Brasileiros (PI) – 1890 a 1930.

[19] GOMES, José Airton Gonçalves (Coord.). O legislativo Piauiense (1835 – 1985). Teresina: Assembleia Legislativa do Piauí, 1985.

[20] GOMES, op. cit.

[21] Diário do Maranhão, 23.2.1899.

[22] A Pacotilha, 27.7.1914.