Por Sérgio Rodrigues

No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros. “Sempre sonhava com árvores”, disse-me sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda-feira ingrata.

O começo de “Crônica de uma morte anunciada” (Record, tradução de Remy Gorga, filho) pode não ser tão sensacional quanto o de “Cem anos…”, mas chega perto. O truque de embaralhar os tempos narrativos para abanar na frente do leitor uma cenoura que ele dificilmente deixará de perseguir é o mesmo. Para quem não leu, fica a recomendação: lançado em 1981, este “Crônica…”, com sua prosa sóbria, pode surpreender os fãs do estilo barroco empregado pelo autor ao narrar a história de Macondo, mas também é um livraço.