(Miguel Carqueija)

Neste capítulo, veremos como os protagonistas também são seres humanos.

CAPÍTULO 7

A REBELIÃO EVOLUI


        Um mês após os acontecimentos aqui mencionados, um estranho grupo encontrava-se, certa tarde chuvosa e triste, numa região desolada e agreste do Planalto Selenita, a 1.350 metros de altitude, região de zimbórios naturais e penhas escarpadas. O grupo era composto por três pessoas. Uma delas parecia ter saído de uma velha revista de quadrinhos de super-heróis ou coisa parecida, tão singular era.
        Riní aproximou-se bem perto dela, aproveitando o momentâneo distanciamento de Lorne:
        — Sei que você é uma mulher. Por que você insiste em usar essa roupa, que a torna um verdadeiro chamariz?
        Lena, que fitava o vôo de um inseto rubricórneo, teve um estremecimento imperceptível, que nem mesmo Riní poderia notar. Riní, cujas maneiras bruscas não admitiriam meias palavras ou rodeios.
        — Eu sou o Faisão Verde, Riní. Eu não tenho sexo, ou o meu sexo não importa e não interessa. Eu sou o Faisão Verde.
        — Mas o que é isso? Você tem o Complexo de Batman? Por que não nos revela claramente quem é você?
        O Faisão Verde sorriu.
        — Talvez eu já não tenha mais identidade humana, Riní. Este traje já faz parte de minha pessoa.
        — Então admite que é mulher?
        — Prefiro não responder à sua pergunta.
        Riní teve o impulso de desmascará-la, olhar pela primeira vez aquele rosto que se escondia obstinadamente. Mas já Lorne os chamava, irritado por sua demora.
        Eles se aproximaram da imensa pedra que Lorne contornava.
        — Aí está. A ruína do grande castelo. Nossa fortaleza inexpugnável.
        — Se Deus quiser.
        — Ele quererá, Riní. Você verá.  
        Depois dos primeiros ataques dos robôs-policiais, o pânico começara entre os Rebeldes. Se o Faisão Verde não houvesse aparecido, a rebelião estaria em maus lençóis.
        O Prof. Tousand fôra em princípio encarregado de desenvolver os segredos do Faisão Verde, e brevemente as brigadas rebeldes estariam abastecidas com armas que poderiam torná-las imbatíveis.
        Assim pensava Lorne, que acreditava não possuírem os dirigentes de Lemuel recursos para superar aquelas novas armas. Apesar de certos rumores que ouvira.
        O Faisão Verde contemplou as ruínas ainda impressionantes, sobrevoadas por morcegos:
        — Meu bom amigo — observou, fraternalmente — crê, mesmo, que aqui será o refúgio ideal e seguro?
        — Hermógenes III foi um soberano cuidadoso e inventivo, você sabe. Apesar da rusticidade atual, será fácil adaptar seus engenhos e criar uma barreira praticamente intransponível.
        Riní, pouco interessado no velho palácio, contemplou nervosamente a figura estática, majestosa, dela — o Faisão Verde, a heroína de fábula que ali estava, de pé, em carne e osso, bem junto dele. Uma aura mística parecia rodeá-la, impondo respeito e inibindo a Riní o gesto violento de arrancar-lhe a máscara.
        Lena, pouco reparando na hora em Riní, pensava na capacidade arqueológica de Lorne. Como grande estrategista, o líder rebelde desenvolvera em poucas semanas o plano de utilizar o castelo abandonado há séculos. Seria uma espécie de baluarte da liberdade.
        Mas então a figura de Riní cruzou novamente o seu olhar. Lena arrependeu-se de súbito pela sua introspecção. A frase cortante de Riní voltou-lhe à mente: “Sei que você é uma mulher”.
        VOCÊ É UMA MULHER.
        Enquanto se aproximavam do castelo, o pensamento do Faisão Verde brincava com ela:
        “É verdade, Riní. Eu sou uma mulher. E por falar nisso, Riní, você é um homem.”
        UM HOMEM.
        Uma sensação de irrealidade pareceu se apossar do Faisão Verde. Ela era uma mulher, Riní era um homem (e que homem!). A partir daí, qual a relação a fazer?


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        — Lorne, o Faisão Verde é uma mulher. Tenho certeza disso!
        — E por que tem certeza, Riní? Acha que uma mulher seria capaz de tais façanhas?
        — Deixe disso, Lorne. Você nunca teve vocação para machista.
        Lorne riu intimamente. De fato, não levava a sério o próprio argumento. Só que Lorne diferia em detalhes importantes de Riní. Por exemplo, Lorne respeitava o zelo com o qual Lena guardava o seu segredo.
        Um segredo que Lorne já decifrara por conta própria, só lhe faltando as provas definitivas. Pois em seu arquivo holográfico, com mecanismo de auto-destruição, Lorne possuía muitíssimas informações sobre as mais estranhas pessoas, inclusive sobre Stefânio Stopenhouse, um dos sumidos nos últimos anos. Lorne detinha alguns dados que provavelmente nem o chanceler conhecia, e sabia da existência da filha desaparecida do cientista.
        Poderia jurar que ela estava viva e se intitulava o Faisão Verde.


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        O Faisão Verde!
        Do alto de um gigantesco prédio a visão da Torre de Controle era perfeita. Essa torre, que vigiava a baía de Gloria, dirigia seus holofotes sobre as fragas entre as ondas, a noite inteira, girando e gorando. Era o guardião contra o contrabando ou contra tentativas de fuga do país, ou qualquer coisa suspeita.
        O Faisão Verde correu, sinistro, pelo terraço. Quando a luz se afastou na direção do mar ele pulou no espaço, descendo vertiginosamente. Acionando então seus controles, fez as bolas se enrolarem no mastro da bandeira, abaixo do facho luminoso.
        Lena agora prosseguia menos espetacularmente em sua manobra de descida.
        Manobrou então a bola presa ao cinturão e a mesma esvoaçou; uma excrescência luminosa em forma de gota pontuda e invertida surgiu de um orifício e pôs-se a tremeluzir em todas as cores do arco-íris. O facho de luz veio vindo.
       Lena soltou-se do mastro e seu corpo flutuou no ar, suspenso pela emissão luminosa de sua bola, acompanhando o movimento da luz do farol.
        De sua mochila, um jato de luz impulsionou-se paralelamente ao facho, dirigindo-se assim até a parede da torre, sem deixar de acompanhar a rotação.
        Ao tocar a parede de concreto, Lena conseguira chegar ao exterior de uma das mais poderosas fortalezas do inimigo.
        Lena foi deslizando para o chão. Conseguiu alcançá-lo sem ser notada e olhou em volta.
        Silêncio.
        Tendo ligado o anulador de alarmes, Lena pôs seus desmagnetizadores e descoesonadores em ação na primeira porta que encontrou. Ao entrar, teve logo uma surpresa: a luz índigo, que iluminava os degraus de tungstênio, as paredes, tudo, parecendo não evolar de coisa alguma.
        Penetrara numa espécie de corredor circular interno, com paredes metálicas cheias de rebites e uma escada logo adiante, bifurcando-se no décimo-segundo degrau. Então, pela esquina à sua direita, apareceu a figura ominosa de um autômato assassino.
        O Faisão Verde sorriu.
        — Veremos, agora, do que vocês são capazes.
        O autômato, com dois metros de altura e uma aparência de vilão de filmes de ficção científica, pôs-se a apitar e silvar como uma panela de pressão. Logo um verdadeiro ingranzéu era ouvido vindo de todas as direções.
        Lena acionou sua caixa preta e faíscas estranhíssimas pularam na direção do robô. Este avançou, estendendo suas mãos-pistolas-laser e fazendo fogo. Agora, um verdadeiro fogo-de-Santelmo tomou conta do ambiente, numa dança macabra e fantástica. O raio laser não conseguiu atingir Lena e, retornando caminho, fez explodir o boneco, transformando-o em ferro velho.
        Lena correu e pulou sobre os destroços fumegantes, feliz com o sucesso. Seu gás anestésico, do qual estava protegida com um antídoto, já se espalhava pela galeria, para neutralizar todos os guardas não mecânicos.
        De outra escada veio uma turma de robôs, de forma semelhante e estrutura cromada, na maior algaravia mecânica. Lena pôs-se a controlar seus raios de quinta força e seu bloqueador de gravidade. Uma rede multicolorida formou-se em seu redor e confrontou os monstros mecânicos que já acorriam de todas as direções. Alguns foram enredados pelos raios filamentosos e sólidos que emanavam da caixa preta; outros subiram, arrebentando-se no teto. Todos acabaram estendidos no chão, esventrados, arruinados.                                          
        Lena tirou de sua mochila vários cartões metálicos e espalhou-os pelo local. Em todos eles estava impresso: O FAISÃO VERDE PASSOU POR AQUI.
        — Por meu pai, por Andréia — murmurou Lena. — E por todos os que tombaram.