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Um dos principais personagens nos primórdios da fundação da Parnaíba, foi o português João Gomes do Rego, ou Rego Barra, conforme também se verifica. Na verdade, adotou esse último apelido por modismo, talvez por fixar morada na barra do Parnaíba.

No entanto, dois equívocos se vêm repetindo com relação a esse pioneiro, o primeiro tantas vezes repetido, é de que ele foi enviado para o lugar por ordem direta do governador de Pernambuco, para guarnecer o litoral de ataques inimigos. Porém, esse fato não é completamente verdadeiro porque desde março de 1700, que o Piauí havia sido anexado ao governo do Maranhão, fugindo assim à alçada pernambucana.

Na verdade, João Gomes do Rego se radicou no litoral piauiense atendendo aos interesses do governador de Pernambuco(Brasil) e do Maranhão, na execução de ordem régia, assim como defendendo interesses privados, como procurador do abastado fazendeiro e coronel, Pedro Barbosa Leal, morador na cidade da Bahia e sócio da Casa da Torre em alguns empreendimentos. Ali chegando em 19 de maio de 1708, sob ordens daquele, funda fazendas, pequena vila com o nome inicial de Vila Nova da Parnaíba, depois Vila de Nossa Senhora de Monserrate, onde instala as primeiras oficinas de couro e charque, assim como explora o ramo de salinas.

Outro equívoco que se vem repetindo com relação a esse colonizador lusitano, é de que ele fosse natural de Pernambuco e pertencente à ilustrada família Rego Barros. Não é verdade. João Gomes do Rego nasceu em 1676, na freguesia de São Lourenço de Sande, termo de Guimarães, arcebispado de Braga, no norte de Portugal, em cuja igreja matriz fora batizado em 12 de abril daquele ano, pelo vigário Antônio Pereira (o documento consta à fl 23, do respectivo livro de batizados relativo àquele ano). Foram seus pais Francisco Dias de Carvalho (adotou esse apelido por ser do lugar do Carvalho) e sua mulher Maria Francisca do Rego (a exemplo do esposo, adotou esse apelido por ser do lugar do Rego), esta filha do clérigo Jerônimo Rodrigues, abade de Mezarefes; e padrinhos Antônio Rodrigues de Carvalho, da freguesia de Mezarefes e Páscoa Francisca(sua tia materna), mulher de outro João Gomes, daquela mesma freguesia(PT-TT-TSO-CG-A-008-001-3396)

Ainda menino deixou São Lourenço de Sande e foi morar em Mezarefes, na companhia do avô materno, abade Jerônimo Rodrigues, onde viveu a vida escolar. Dali rumou para Lisboa e, em seguida, para a cidade da Bahia, onde chegou por volta de 1696, aos vinte anos de idade, para viver em companhia de dois clérigos: o irmão Francisco Gomes, que ministrava aulas de Gramática e o primo Domingos Gomes, ambos jesuítas, este último foi administrador das fazendas da Companhia de Jesus, no Piauí, deixando importante relatório denominado Notícias do Piauhy, que copiei, interpretei e publiquei em forma de livro, juntamente com outros escritos, em 2011.

Em 23 de fevereiro de 1698, aos 22 anos de idade, João Gomes do Rego ingressou na carreira militar exercendo o posto de alferes de um dos terços das ordenanças da Bahia, depois passando sucessivamente ao posto de capitão de infantaria das mesmas ordenanças e capitão-mor das entradas na capitania do Piauí, no decurso dos quais foi mandado pelo governador e capitão general que foi daquele Estado, Dom João de Alencastro, em busca de cavalos para o conduzirem para o descobrimento das minas do salitre, jornada em 16 léguas, trazendo os que bastaram para a dita diligência. Também, acompanhou o administrador das mesmas minas, Pedro Barbosa Leal, em seu descobrimento, cuja jornada durou 13 dias; da mesma forma, o acompanhou no comboio de salitre para a cidade da Bahia, em cuja oportunidade, faltando-lhe alguns índios os foi buscar na distância de 17 léguas e os trouxe para seguirem a dita viagem; e depois foi mandado pelo mesmo administrador para abrir uma estrada real de acesso às terras salitrosas, em cuja missão teve de limpar um rio para por ele se navegarem canoas na distância de 4 léguas, que da sua assistência se facilitou tudo(PT/TT/RGM/C/0007/48211. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Em seguida, foi mandado pelo governador geral, Dom Rodrigo da Costa ao descobrimento das novas minas de salitre no Morro do Chapéu, cuja diligência consumiu dois meses e quatro dias.

Depois de dez anos, dois meses e vinte e três de serviço no Estado do Brasil, em virtude de entendimento entre os dois governos “passou à  Vila Nova da Pernahiba e deu princípio à fundação dela em 19 de maio de 1708, aonde se acha assistente e morador e assim nesta como em as mais ocasiões, se houve com grande desvelo, cuidado e procedimento, experimentando muitas fomes e sedes, fazendo todo este serviço com considerável despesa de sua fazenda, sem da Real receber cousa alguma”. Nessa mesma data foi pelo governador e capitão-general do Estado do Maranhão, Christóvão da Costa Freire, provido no posto de capitão-mor da mesma vila(PT/TT/RGM/C/0007/48211. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Essa transferência para o norte do Piauí atendia a interesses dos dois governos coloniais portugueses(Brasil e Maranhão), bem como à iniciativa do referido administrador das minas e rico fazendeiro Pedro Barbosa Leal, de quem João Gomes viera como procurador para fundar feitorias e administrar seus bens no delta parnaibano.

Em 1711, Pedro Barbosa Leal solicita à Cúria de São Luís do Maranhão, licença para construir uma capela sob a invocação de Nossa Senhora de Monserrate, padroeira do lugar e santa de sua devoção, cujo nome passa a denominar-se a povoação, obtendo resposta favorável em 11 de julho do mesmo ano.

Em 16 de dezembro desse mesmo ano(1711), João Gomes do Rego vai ser confirmado por el rei para exercer por três anos a patente de capitão-mor da assim chamada Vila de Nossa Senhora de Monserrate, na foz do Parnaíba, embora sem perceber soldos, mas com todos os privilégios do posto. Essa nomeação, agora confirmada, que vinha desde 1708, foi de suma importância para a conservação das fazendas e consolidação da nascente povoação, porque estava tendo início o levante geral dos indígenas que sacudiria os sertões do Piauí e Maranhão(PT/TT/RGM/C/0007/48211. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Durante a levante geral dos índios(1712 – 1717), João Gomes do Rego lutou ao lado do mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, combatendo os indígenas no norte do Estado. Diz ele em petição, que juntamente com aquele, assassinado pelos indígenas em 1712, resistiu em três combates seguidos, os índios também com armas de fogo e ele tendo perdido nessa guerra mais de cinco mil cruzados. Nessas lutas meteu ele de paz o aranhis, desinfestando assim grande área do delta.

Em face dessa conquista em 14 de julho de 1725, recebeu do governador do Maranhão sesmaria na área que conquistou ao tapuia levantado, com duas léguas de comprido e duas de largo, em uma ilha que está entre o rio Igarassu e a barra chamada vulgarmente da Parnaíba, onde criava mais de trezentos animais, cuja área foi confirmada por el rei; pediu também sesmaria no Riacho Pirangi, que nasce na Serra da Ibiapaba e entra no Parnaíba, que lhe fora dada verbalmente por Pedro Barbosa Leal, onde ele suplicante criava duas mil cabeças de gado vacum há quatorze anos, o que reporta ao ano de 1711, não obtendo a devida confirmação. No requerimento disse ele que tinha cinco filhas solteiras e apenas um filho varão, encontrando-se sem um palmo de terras com título seguro(AHU. ACL. Maranhão. Cx. 15. Doc. 1499).

O capitão-mor João Gomes do Rego Barra, convolou núpcias em 1711 ou 1712, em São Luís do Maranhão, com Ana Castelo Branco de Mesquita, natural de Lisboa, prematuramente falecida, filha de Dom Francisco de Castelo Branco, militar português, irmão do Conde de Pombeiro, e de sua primeira esposa Maria Eugênia de Mesquita, falecida em naufrágio nas costas do Maranhão no ano de 1700. Filhos: Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco e João do Rego Castelo Branco.  Convolou segundas núpcias com a cunhada Maria do Monserrate Castelo Branco, irmã por inteiro da primeira e inditosa consorte. Filhas: Francisca do Monserrate Castelo Branco, Ana do Monserrate Castelo Branco, Florência do Monserrate Castelo Branco e uma quinta filha cujo nome não sabemos informar(AHU-ACL-CU 009- Cx. 15 – D. 1529).

Com essas informações por ele declaradas em petição requerendo sesmarias, de que tinha apenas um filho varão, fica evidente que Lourenço dos Passos e Rosendo Lopes Castelo Branco não são seus filhos, e sim netos, provavelmente filhos de sua filha Florência do Monserrate Castelo Branco, que foi casada com José Lopes da Cruz, que situou-se na barra do rio Pirangi, por ele pedido em sesmaria, onde floresceu a fazenda, hoje cidade de Buriti dos Lopes.

 

Faleceu depois de 1725, deixando uma família extensa, ilustrada, rico cabedal e larga folha de serviços prestados ao Estado.

 

* REGINALDO MIRANDA, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.