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Entre os desbravadores do vale do rio Paraim, Lagoa de Parnaguá e demais afluentes das cabeceiras do rio Gurgueia, por si ou por prepostos, onde assentaram diversas fazendas, figura os capitães-mores Baltazar Carvalho da Cunha e Manoel Álvares de Sousa.

Nasceu o primeiro deles, em 1645, no lugar Fonte Coberta, freguesia de Santo André de Molares, filho legítimo de Gonçalo Gonçalves, natural do referido lugar e de Ana de Carvalho, natural da freguesia de  São Tiago de Gagos, ambas pertencentes ao termo da vila de Celorico de Basto, comarca de Guimarães, arcebispado de Braga; foram seus avós paternos, Pedro Gonçalves, natural do dito lugar de Fonte Coberta e Izabel Domingues, natural de Lordelo, freguesia de Santa Maria de Veade, termo da vila de Celorico de Basto; e avós maternos, Gaspar de Carvalho, natural do lugar da Balouta, freguesia de São Tiago de Gagos, termo da mesma vila de Celorico de Basto, e de Maria Gonçalves, natural do lugar de Gandarela, freguesia de São Clemente, tudo termo da vila de Celorico de Basto, arcebispado de Braga.

Foi na referida povoação de Fonte Coberta, que Baltazar Carvalho da Cunha viveu os despreocupados anos de sua infância, aprendendo as primeiras letras e prosseguindo nos estudos entre essa e a vila próxima de Celorico de Basto. Nas horas vagas, ajudava os pais no cultivo da terra.

No entanto, por volta de 1666, aos 21 anos de idade, pega um navio e vem para a Bahia, no Brasil, então colônia de Portugal, em busca de melhor sorte. Sem delongas se estabelece no comércio de Salvador, onde em pouco tempo se torna um importante homem de negócio.

Paralelamente a essa atividade comercial, ingressou na carreira militar, alcançando o posto de capitão de ordenanças e, mais tarde, capitão-mor na  Bahia.

Rico e importante homem de negócio, solteiro, sem filhos, assistente na cidade da Bahia, em 1686, com cerca de 41 anos de idade, pleiteia ser Familiar do Santo Ofício, por concorrer nele os requisitos do dito cargo. Na petição informa seu nome, moradia, naturalidade, assim como nome e naturalidade de seus pais e avós, quando se inicia o costumeiro processo investigatório para conferir a veracidade das afirmações.

Em Portugal, no termo da vila de Celorico de Basto, nas freguesias de seus falecidos familiares, foram ouvidas vinte testemunhas entre seis e nove de outubro de 1687, sendo a primeira o lavrador Domingos João, natural e morador no Lugar do Campo, freguesia de Santo André de Molares, 70 anos de idade, pouco mais ou menos; grosso modo, disse conhecer muito bem a Baltazar Carvalho da Cunha, solteiro, natural de Fonte Coberta, desta freguesia de Molares, morador e assistente há cerca de mais de vinte anos, na cidade da Bahia, e tem esse conhecimento por ver e falar com ele muitas vezes enquanto assistiu nesta freguesia; os pais e os avós eram lavradores que viviam de sua fazenda mui honradamente; disse que o  dito Baltazar, seus pais e avós  eram legítimos e inteiros cristãos velhos, limpos e de limpo sangue, e geração sem raça nem descendência alguma de judeu, moro, mourisco, mulato, nem de outra infecta nação dos novamente convertidos à nossa fé cristã; e que por legítimos e inteiros cristãos velhos são e foram sempre tidos e havidos e comumente reputados, sem do contrário haver fama nem rumor; que ele nem seus ascendentes nunca foram presos nem penitenciados pelo Santo Ofício, nem incorreram em alguma infâmia pública ou pena vil de feito ou de direito. As demais testemunhas, nada acrescentaram, apenas corroborando esse depoimento, sendo que uma de 42 anos de idade acrescentou ter sido seu colega de escola, razão pela qual aproximamos para esta a idade do pretendente a familiar do Santo Ofício, vez que no processo consultado não consta sua certidão de batizado.

Também, as testemunhas ouvidas na Bahia de Todos os Santos, em 24 de maio de 1688, pouco acrescentaram, senão que era o mesmo ali assistente a cerca de vinte anos, homem de negócio e exercia o posto de capitão de ordenanças, coisa já colhida nos depoimentos anteriores.

Embora não tenhamos manuseado o ato de nomeação, há evidências de que assumiu o cargo, constando no feito esse despacho:

“Tomamos informação de Baltazar Carvalho da Cunha, conteúdo na petição inclusa do sobredito que V. Exa., nos manda informar e achamos ser homem rico e abastado com bom procedimento e capacidade e com todos os requisitos que o fazem benemérito do Santo Ofício a ocupar em o seu serviço; e assim nos parece digno de V. Exa., a ocupar os seus serviços. Lisboa em Mesa, 20 de dezembro de 1686”.

 

Em 1688, no governo de Matias da Cunha (4.6.1687 – 24.10.1688), o capitão-mor Baltazar Carvalho da Cunha assumiu o cargo de Tesoureiro Geral do Estado do Brasil, que estava vago desde cinco ou seis meses, por óbito de seu titular, Antônio Almeida Pinto. E nesse exercício permaneceu por quase quatro anos, realizando profícuo trabalho, sendo substituído, a pedido, pelo capitão Domingos Afonso Sertão, que tomou posse do mesmo em 8 de julho de 1692. Em requerimento datado de 11 de janeiro de 1694, pede que lhe sejam tomadas as contas, a fim de desonerar-se de qualquer responsabilidade futura (AHU. ACL. Bahia. Doc. 3818).

Em 28 de agosto de 1696, foi confirmado no posto de capitão de infantaria da ordenança do distrito do Terreiro da cidade da Bahia, em cujo exercício conheceu os então inóspitos sertões de Parnaguá, que passou a cobiçá-los e logo deles tomando posse e os colonizando com diversos parentes trazidos do reino(PT/TT/RGN/B/0001/317 e B-A/0001/26102).

No que se refere ao Piauí, consta na carta de sesmaria concedida pelo governador do Maranhão, em 2 de março de 1722 e em seu posterior pedido de confirmação a el rei, onde afirma “em petição Paulo Carvalho da Cunha, morador na capitania do Parnaguá, que o Capitão mor dela Manoel Álvares de Souza descobriu e desinfestou do gentio em o ano de seiscentos e oitenta e oito o sertão do rio chamado Paraim, naquela dita capitania, em a qual paragem povoou e situou várias fazendas de gados para o seu parente e sócio Capitão-mor Balthazar Carvalho da Cunha , já defunto; e porque o suplicante é senhor e possuidor de uma fazenda de gado mestiça a de Gonçalo Carvalho da Cunha, até o presente se não impetrou título de sesmaria da dita paragem, e nela necessita o suplicante de três léguas de terras em quadra para o conservação de seus gados principiando do poente pelo dito rio abaixo, e este das de Gonçalo Carvalho da Cunha para nascente, e barra do dito rio Paraim na Gurgueia, ficando-lhe dentro o Riacho Frio onde tem a casa” (AHU. Cx. 18. Doc. 1868).

Da mesma época, há um requerimento de sesmaria feito por Manuel da Cunha Carvalho, morador na povoação de Parnaguá, pleiteando terreno próximo ao sítio do coronel Baltazar Carvalho da Cunha (AHU. Cx. 18. Doc. 1869).

Confirmando essas informações, em documentação que segue em sequência numérica, recebe sesmaria do governo do Maranhão em 26 de fevereiro de 1722, e pede confirmação a el rei dizendo em “petição de Maria Álvares de Sousa, solteira, filha do Capitão mor Manoel Álvares de Sousa, moradora na Capitania de Parnaguá, que o dito seu pai, entre o mais sertão que descobriu à sua custa e desinfestou do gentio bravo, como tem sido notório, é o sertão e Rio do Gurgueia, donde tem sua origem o dito rio, correndo do poente para o nascente, e donde faz barra o rio Paraim, necessita a suplicante de três léguas de terra em quadra para situar sua fazenda, por estar devoluto o dito sertão” (AHU. Cx 18. Doc. 1870).

Consta também que desceu muito o Gurgueia, descobrindo e povoando a fazenda Jacaré, próxima à atual cidade de Jerumenha. Depois de seu óbito foi pelo testamenteiro Manoel Álvares de Sousa, vendida ao capitão Lourenço da Costa Veloso, primeiro marido de dona Antônia Gomes Travassos. No entanto, mais tarde, em 27 de junho de 1727, foi regularizada a sesmaria em nome do segundo consorte, capitão-mor Gonçalo de Barros Taveira, que a recebeu em dote, medindo três léguas de comprido e uma de largo (AHU. Cx 1 – D. 46).

Não sabemos ao certo quando veio a óbito o nosso biografado, no entanto existe uma petição despachada em 13 de setembro de 1726, portanto, anterior a essa data, feita por Manoel Ribeiro Falcão e Baltazar Carvalho da Cunha(3º), tratando do pagamento de dívidas deixadas pelos capitães-mores Baltazar Carvalho da Cunha(1º), Manoel Álvares de Sousa e pelo coronel Baltazar Carvalho da Cunha(2º), a fim de darem cumprimento aos testamentos dos mesmos e à entrega das esmolas por eles deixadas às obras pias (AHU. ACL. Pernambuco. D. 3142).

Portanto, vê-se que faleceu na cidade da Bahia, no primeiro quartel do século XVIII, septuagenário, tendo encetado invejável carreira militar, realizado muitas conquistas materiais e deixando larga folha de serviços prestados ao Estado, inclusive no desbravamento e assentamento da base colonial portuguesa no território piauiense. É importante ressaltar que em 1688 era solteiro e sem descendentes, razão pela qual se deixou filhos, o que não acreditamos, foram esses havidos depois dessa data. Seria interessante saber-se se seu inventário encontra-se arquivado no Arquivo Público da Bahia, de cuja leitura pode-se esclarecer quem foram os herdeiros de seu patrimônio.  Porém, sejam filhos menores, irmãos ou sobrinhos, por fruto de sua ação pioneira muitos membros de sua família, que herdaram seu patrimônio, fundaram a freguesia de Parnaguá e se tornaram os mais abastados e importantes habitantes do lugar. Os Carvalho da Cunha, do sertão de Parnaguá, todos oriundos de Celorico de Basto, constituíram uma extensa e importante família de criadores do Piauí Colonial. Contudo, independentemente de descendência direta, não há dúvidas de que trouxe ele muitos sobrinhos, a exemplo de Paulo Carvalho da Cunha; primos, a exemplo de Manoel Álvares de Sousa e demais familiares, para administrarem suas fazendas nos sertões de Parnaguá, onde plantaram grande descendência. Foi ele quem os trouxe do reino e financiou seu estabelecimento nos sertões de Parnaguá, onde  esteve em diligências militares e na visitação às fazendas, daí merecer o epíteto de capitalista do lugar.

* A fotografia que ilustra a matéria é da igreja de Santo André, em Celorico de Basto, Portugal.

** REGINALDO MIRANDA, autor do ensaio biográfico, é membro titular da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]