Brejo de Santo Inácio
Brejo de Santo Inácio

No último sábado pela manhã(19/1) visitamos a antiga fazenda Brejo de Santo Inácio, hoje cidade de Santo Inácio do Piauí, que fora sede jesuítica no vale do rio Canindé, durante a primeira metade do século XVIII. O fizemos na companhia de diversas pessoas gradas de nossa sociedade, como integrante da Expedição Sertão Colonial.

Foram aqueles sertões conquistados a partir de 1671, quando da entrada pioneira dos irmãos Domingos Afonso e Julião Afonso, os mafrenses, que mais tarde por fruto dessas conquistas seriam alcunhados, respectivamente, Sertão e Serra. Pois bem, cada um deles foi agraciado com dez léguas de sesmarias no vale dos rios Canindé e Piauí. Outras tantas sesmarias foram concedidas aos seus sócios Francisco Dias d’Ávila e Bernardo Pereira Gago. A estas, que foram concedidas em 1676, se seguiram muitas outras concessões.

No entanto, aquelas terras de que nos reportamos ficaram pertencendo a Domingos Afonso Sertão, que as arrendou a prepostos, nelas situando os primeiros rebanhos de gado curraleiro ou pé-duro. Falecendo aquele rico nababo em 18 de junho de 1711, legou todo o seu patrimônio para os padres da Companhia de Jesus, que logo se assenhorearam dos bens. É sabido que foi o padre Manoel da Costa, o primeiro jesuíta que veio inventariar os bens, tomar posse e administrar o imenso patrimônio que lhes foi legado pelo moribundo defunto. Ao que consta estabeleceu-se inicialmente na fazenda da Torre, no vale do rio Canindé. Entretanto, logo percebeu que aquela localização não lhe era adequada.

Foi, portanto, há cerca de trezentos anos que ele e seus irmãos de fé descobriram ali mesmo naquele vale canindeense, local mais apropriado para situar a sede de seus negócios na bacia parnaibana. Fundaram fazenda no alto de uma colina circundada por baixões e brejos, a que denominaram Santo Inácio, em homenagem a Ignácio de Loiola, patrono de sua ordem. Ali no vale ribeirinho separaram três olhos d’águas a que circularam com pedras, sendo um designado para o banho, outro para o consumo humano e, por fim, um terceiro para os animais. No alto da colina construíram casa, capela e curral que, embora ruindo com a ação do tempo foram reconstruídos os dois primeiros sobre os antigos escombros e ali estão para testemunhar três séculos de história da fundação de nossa sociedade.

Percebemos que a sede fora construída em terreno elevado que se atira sobre o vale ribeirinho. Certamente, foi primordial para a escolha do local questões de segurança, pois dali podiam os religiosos surpreender visitantes que se aproximassem desde relativa distância; e naquela época em que ainda perambulavam tribos indígenas, assim como malfeitores e cavaleiros solitários, não é de se desprezar essa hipótese; também, o ponto elevado servia para fiscalizar o rebanho que pastava no vale ribeirinho; certamente, questões de estética e arejamento ajudaram nessa escolha. Por outro lado, as nascentes que rumorejavam no terreno embrejado que circunda o pequeno planalto foram primordiais para os jesuítas ali assentaram a sua sede administrativa. Por fim, no brejo que se avizinhava podiam plantar suas lavouras e apascentar os cavalos de montaria e as vacas paridas para a ordenha matutina. Era um oásis no sertão semiárido. E o Canindé em seu percurso temporário distava cerca de meia légua.

Dali administraram suas fazendas, mandando vender anualmente os bois excedentes nas feiras de Pernambuco e Bahia, até quando, em 1758, foram expulsos da colônia por ordem do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, todo poderoso conde de Oeiras, depois marquês de Pombal. Nesse período o Brejo de Santo Inácio foi uma fazenda que se fez notar. Depois, seriam todas as fazendas confiscadas e passariam à coroa. Em pouco tempo foram divididas em três inspeções, Piauí, Nazaré e Canindé, cabendo ao Brejo de Santo Inácio sediar essa última. Então, na antiga sede jesuítica passaram a morar e administrar as fazendas daquele vale os inspetores nomeado pelo governo colonial. Eram as fazendas do Real Fisco, depois Fazendas Nacionais. Com a Constituição de 1946, por proposição do deputado constituinte Adelmar Rocha, nosso parente, passaram ao domínio do Estado, ficando conhecidas por Fazendas Estaduais. Mas já não eram nem sombra do que foram no passado.

Todavia, com a casa e capela restauradas sobre as antigas ruínas, perdurou por todo esse tempo o Brejo de Santo Inácio, produzindo bois para abastecer a região de Oeiras e cidades que iam nascendo naquela região. Com o ciclo da maniçoba e carnaúba, fixaram-se novos moradores e pequena feira foi se fortalecendo a partir do segundo quartel do século passado, assim se formando pequeno povoado. O velho Brejo de Santo Inácio, testemunho vivo da história piauiense e da conquista dos Sertões de Dentro, resistiu ao tempo, fez-se povoado e hoje é uma bela cidade, chantada em estreito planalto, entre brejos e baixões que deságuam no rio Canindé. Foi elevado à categoria de cidade pela Lei estadual n.º 2550, de 9 de dezembro de 1963, instalando-se oficialmente em 30 de abril do ano seguinte. O nome. Ah, o nome mudaram para Santo Inácio do Piauí. Para nós, melhor seria o velho topônimo colonial. Fica esse registro como testemunho de nossa visita e homenagem àquele povo ordeiro e trabalhador. Queira Deus, possam ser revitalizados os “banheiros dos padres”, preservada a história e inserida aquela bela cidade no roteiro turístico do Brasil. É o nosso desejo.

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* REGINALDO MIRANDA, escritor e advogado, é membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Preside a Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí(AAPP).