[Galeno Amorim]


Dona Léia de Jesus não sabe ao certo como foi que aconteceu. Só sabe que, quando abre a gaveta das lembranças, a sensação é a mesma. Se vê vasculhando cada prateleira da biblioteca do velho Grupo Escolar. Está lá, em busca de algum livro de poemas.

Chegava a ficar horas por ali. Lendo, ouvindo, vivendo. A intensidade era tal que ela mesma não aguentava. Precisava por pra fora e compartilhar aquilo que sua alma de menina transbordava. Decidiu, então, que escreveria.

Ainda não completara dez anos quando rabiscou os primeiros versos. Léia também gostava de declamar nas festas da escola. Lia bem e interpretava com gosto e paixão cada palavra. Pacientemente, também tecia os próprios poemas.

A menina cresceu, casou, teve filhos. Depois, os netos. Entre as mil e uma tarefas do cotidiano de mulher e mãe, um dia ela começou a bordar. Tecia e, em seguida, vendia, ela própria, pelas ruas de Bebedouro, no interior de São Paulo, fronhas, lençóis e vestidos.

A família mudou pra Ribeirão Preto e ela foi morar na Vila Tibério. Logo sua arte ganharia as vilas e bairros da nova cidade. As sacolas pesadas chegavam a doer as mãos. Mas ela tinha um sonho. E foi atrás dele:

- Eu saía antes do sol nascer. Só voltava depois que ele já se tinha ido... - ela lembra.

Só que os versos não saíam da sua cabeça. Entre um e outro bordado, ela foi enchendo cadernos e mais cadernos. Há pouco tempo, Dona Léia, 80 anos, publicou seu primeiro livro: Caminhar.

Ela precisou até vender o carro pra pagar a publicação. Mas valeu a pena, ela diz. Agora, resolveu escrever a saga da família desde sua saída de Portugal. Dona Léia quer que os filhos, netos e bisnetos leiam e se sintam dentro do navio na longa viagem. Que eles entrem, sintam o cheiro e apalpem cada canto da casa onde os ancestrais um dia estiveram.

O livro é em prosa. Mas é certo que será poesia pura.