Imagem antiga da vila durante festejos religiosos.
Imagem antiga da vila durante festejos religiosos.

                                                                                                    * Reginaldo Miranda

Em 1910, Dom Joaquim Antônio de Almeida, primeiro Bispo do Piauí(1906 – 1911), perlustrou o Baixo-Gurgueia em visita pastoral, acompanhado de sua comitiva. Depois de desobrigar a vetusta vila de Jerumenha, parte para Aparecida, hoje Bertolínia, em lombo de animais, acompanhado do coronel Bertolino Rocha Filho, então deputado estadual, e do padre Moysés Pereira dos Santos, vigário local e futuro genro deste. Saíram na manhã de 30 de agosto e chegaram à pequena vila d’Aparecida às 18h do dia 1º de setembro, de onde mais logo iria o Bispo para Uruçuí.

Tanto em Jerumenha quanto em Aparecida foi o coronel Bertolino Filho anfitrião da comitiva. Embora bem recebidos os visitantes pela minúscula população local, a localização da vila causou-lhes profunda impressão. O cronista da viagem assim registrou na imprensa local:

“Aparecida é um lugar sem vida e sem representação. O seu movimento principal é no tempo da festa, em agosto, ou quando há ato religioso, sofrendo muito o povo que se reúne no estio pela falta d’água, pois a pequena Vila está situada distante, quase uma légua, do riacho ‘Esfolado’” (O Apóstolo, n.º 179, de 20.11.1910).

Em 1915, outro visitante ilustre, o escritor e engenheiro agrônomo Francisco de Assis Iglésias, natural de São Paulo passou por Aparecida em demanda da Fazenda Grande, no Gurgueia, onde ia implantar projeto agropecuário, por ordem do governo. Chegou à vila às 11h do dia 28 de julho. Assim anotou em seu livro Caatingas e chapadões:

“Aparecida causou-me profunda desolação. Não sei por que existe este povoado, e se ele desaparecesse seria um grande bem. Não consegui ver a razão econômica desta cidade. Tive a impressão de que estava em franca decadência. Encontrei o Triatoma megista em grande quantidade. A população tem um aspecto doentio; atualmente não há papudos. Informaram-me que há pouco morreu uma velha papuda. Dizem as pessoas com quem tenho falado que os chupões atacam as galinhas no choco, de tal maneira, que estas morrem exauridas, sem um pingo de sangue. O Triatoma é conhecido aqui pelo nome de bicho-de-parede” (Iglésias, Francisco de Assis. Caatingas e chapadões. 3.ª Ed. Teresina: APL, 2015).

Em 1917, Iglésias visitou novamente a vila d’Aparecida visando alcançar o mesmo destino, não tendo mudado de opinião. Novamente anotou:

“À hora regimental, ganhamos novamente a estrada. À medida que nos íamos aproximando da Aparecida, onde devíamos pernoitar, a paisagem tomava aspectos desagradáveis: a topografia não podia ser mais tétrica; à direita levantam-se aleijões de arenito corroídos pelas constantes erosões; tal cenário deu-me momento de mal-estar, de angústia, que me roubou até o meu costumeiro otimismo e amor à natureza. Livrai! Que lugar horrível!

‘À tarde, ao lusco-fusco, chegamos a Aparecida, triste cidade, nossa conhecida de 1915. Amavelmente recebido pelas pessoas da cidade, fui hospedar-me na casa do agente telegráfico, casa de alvenaria e coberta de telhas. Após o jantar, como me sentisse fatigado, pedi licença aos meus hospedeiros e estirei-me na rede, não sem verificar primeiro se estava a salvo dos perigosos e nojentos ‘chupanças’ transmissores da Moléstia de Chagas”(op. cit., p. 273).

Portanto, a vila d’Aparecida, emancipada em 1890, não causava boa impressão aos visitantes em seus primeiros trinta anos de vida política. É que estes não viam razão econômica de sua existência, vez que não se situava à margem de nenhum curso d’água. O Esfolado ficava à distância de uma légua, de forma que a população dependia de poços cacimbões para beber e dar água aos animais. As demais vilas do Piauí estavam às margens de rios ou riachos, daí a estranheza dos visitantes. É sabido que existia um poço cacimbão na praça, defronte ao atual edifício da prefeitura e alguns em casas de famílias. Por esse tempo somente existia o largo da igreja, onde morava um punhado de parentes nossos ajudados por alguns agregados. Era minúscula a vila, pois os principais criadores moravam em suas fazendas, somente vinda à vila nos festejos religiosos ou em alguma reunião para tratar dos negócios públicos.

Porém, é importante ressaltar que a razão de sua fundação foi de ordem religiosa, por conta de uma propalada aparição de Nossa Senhora. Então, começou a romaria de que resultou na povoação, não tendo origem em sede de fazenda como a maioria das outras comunas brasileiras. Primeiro foi construída a capela e em torno desta a povoação. Todavia, diferentemente dos visitantes, nós dali temos boas lembranças do lugar, embora reconheçamos os desacertos de algumas decisões e a lentidão do progresso. Abraço aos conterrâneos, orgulho do passado e esperança no porvir. 

(Diário do Povo, 2.6.2016).

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REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Contato: [email protected]