[Galeno Amorim]

Embora vivesse não muito longe do Atlântico, Amyr morria de medo do mar. Era trauma de infância. Ainda pequeno ele estava com o pai e os irmãos na praia quando foi derrubado por uma onda forte. Mesmo depois de crescido, custou a superar aquilo. Por isso, arriscar-se para além da beira-mar não era exatamente sua diversão preferida.

Quando terminou a faculdade de economia, o rapaz preferiu fincar os pés em terra firme: foi trabalhar com fazenda, leite e gado. O que, afinal, era muito mais seguro.

Amyr só foi mesmo aprender a gostar do mar com os livros. Ora lendo Fernando Pessoa, ora mergulhando fundo nas boas histórias de marujos que eram de tirar o fôlego... Se encantou ao ler A Expedição Kon-Tiki, do antropólogo norueguês Thor Heyerdahl. Ele navegara numa jangada nativa do Peru à Polinésia só para provar que civilizações sul-americanas podiam muito bem ter cruzado o oceano e povoado as ilhas do Pacífico.

Como também ficou marabilhado com O Último Lugar da Terra, de Roland Huntford, sobre a disputa entre exploradores ingleses e noruegueses pelo Polo Sul, no século passado.

Um dia foi parar em suas mãos O Grande Inverno, um livro nem tão conhecido assim, mas que para ele tinha um sabor especial. É que ele havia conhecido, anos antes, em Parati, onde passava as férias e depois foi morar, os autores, Sally e Jérôme Ponceti. O casal, que vivia num barco velho e enferrujado, relatava ali sua vida modesta, porém repleta de aventuras pelos oceanos afora.

Aquele livro mudaria definitivamente a vida de Amyr.

Não era nenhuma história espetacular, com relatos mirabolantes de aventuras, riscos e perigos. Nada disso. Mas era quase uma poesia. E, de certo modo, até desmistificava um pouco essas histórias de aventureiros. Mas era, sobretudo, um relato apaixonado e belo sobre a experiência de marido e mulher franceses e sua viagem tão ousada quanto inédita, rumo ao desconhecido gelado da Antártica. Saly engravidou em pleno inverno polar e resolveu ter o filho lá mesmo, na então desabitada e inóspita Geórgia do Sul.

Pronto! Enquanto sorvia palavra a palavra, Amyr teria seu estalo. Ao chegar à última página, já sabia exatamente o que faria de sua vida dali em diante. Além de novas histórias de navegadores, lia manuais e o que caísse em suas mãos. Ele, que já integrava a equipe de remo do Clube Espéria, de São Paulo, passou a dar duro nos treinos. Comprou uma canoa, depois um barco a remo e, passado algum tempo, já construía seus próprios barcos.

Não tardou para Amyr Khan Klink, filho de imigrante libanês com uma artista plástica sueca, se tornar um herói nacional dos tempos modernos. Atravessou o litoral do Brasil numa canoa, cruzou sozinho, desde a África, o Oceano Atlântico a remo e, por fim, circunavegou o globo, perfazendo mais de 400 mil quilômetros.

Bom leitor e bom contador de histórias, entre uma aventura e outra entre os dois polos, aproveitou para escrever diversos livros. Só um deles - Cem Dias Entre o Céu e o Mar - vendeu meio milhão de cópias.

Até hoje, cada vez que se lança em uma nova aventura, Amyr toma todas as precauções, e leva só o essencial para suas temporadas solitárias em alto-mar - algumas podem durar mais de ano. O que ele leva consigo? Livros, muitos deles... Numa dessas vezes, carregou junto meia tonelada de títulos.

E o que será que seria dele hoje não fossem os livros e as boas histórias que leu pela vida afora? Ele brinca com a resposta:

- Não fossem os livros eu estaria com cracas nas canelas de tanto andar à beira-mar...

Sem que se desse conta, os livros foram desenhando, paulatinamente, o seu caminho na vida. E que bom que foi assim!, ele sorri.