[Sérgio Rodrigues]

Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente. O cataclismo já aconteceu e nos encontramos em meio às ruínas, começando a construir novos pequenos habitats, a adquirir novas pequenas esperanças. É trabalho difícil: não temos mais pela frente um caminho aberto para o futuro, mas contornamos ou passamos por cima dos obstáculos. Precisamos viver, não importa quantos tenham sido os céus que desabaram.

Era esta mais ou menos a posição de Constance Chatterley.

Para marcar a volta da sumida seção Começos Inesquecíveis, nada como um começo do tipo epigramático, que prega já na porta de entrada da narrativa uma frase que nem parece ter autor, de tão entranhada numa certa sabedoria coletiva – à moda daquela famosa abertura de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”, uma dos campeãs de audiência do gênero: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. É esse o caso do começo de “O amante de Lady Chatterley” (Penguin/Companhia das Letras, 2010, tradução de Sergio Flaksman), o sexualmente escandaloso romance publicado em 1928 por D.H. Lawrence (1885-1930). “Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente” é uma frase marcada pelo horror da Primeira Guerra Mundial. O que não impede Doris Lessing, no texto que serve de introdução a essa edição, de ver nela “um ligeiro sorriso torto”.