A vírgula parece ser o calcanhar-de-aquiles da escrita em língua portuguesa. Pelo menos é essa minha constatação em anos de prática de revisão de textos, sejam redações de alunos, sejam livros, teses e dissertações. Se no tempo do latim e do galaico-português não havia necessidade de vírgulas, este sinal passou a ser utilizado abusivamente alguns séculos depois de ter o latim se tornado língua morta. Nos dias de hoje, quando é enorme o volume de leitura exigido diariamente de qualquer pessoa, a tendência é escrever com menos vírgulas de modo a tornar a leitura mais fluida e rápida.

Acontece que o cérebro nos leva a fazer uma pausa mental a cada vírgula, o que acaba por alongar a leitura. Na verdade, a vírgula não é questão de fôlego, mas obedece a preceitos lógico-sintáticos. Portanto existem orientações e normas a serem seguidas. O preceito básico é usar a vírgula somente onde haja uma quebra da estrutura lógica da frase: a vírgula marca justamente um deslocamento de palavras ou orações da sua ordem normal, ou uma quebra, uma interrupção do pensamento, que é o caso das duas vírgulas que marcam as intercalações.

Em outros termos: as palavras em sua posição natural não precisam de vírgula, ou seja, não se coloca vírgula entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos – desde que atendam a esse requisito da seqüência natural sem intercalações ou deslocamentos.

Vejamos alguns exemplos, extraídos de autores diversos, de períodos relativamente longos sem nenhuma vírgula:

- O aspecto mais valioso das artes marciais japonesas é sua habilidade de desenvolver um ser humano aperfeiçoado através da prática de técnicas refinadas e magistrais que promovem um respeito à tradição e que se baseiam em anos de pensamento e ação criativos.

- O artigo a ser publicado analisa o papel da revisão da bibliografia em trabalhos de pesquisa e aponta para as principais deficiências observadas em teses de mestrado e doutorado no que se refere a esse importante aspecto.

Ainda recentemente vi um professor assinalando como errado um parágrafo de um aluno com esta observação: “Onde já se viu uma frase de quatro linhas sem nenhuma vírgula!” Pois aqui seguem mais dois períodos modelares nesse sentido:

- Na versão final da Declaração da V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos consta que somente o progresso centrado no ser humano e numa sociedade participativa baseada no respeito aos direitos humanos levará a um desenvolvimento sustentável e eqüitativo.

- A natureza da tecnologia e os pressupostos e o processo das transformações organizacionais e gerenciais que consubstanciam o paradigma da integração e flexibilidade estão colocando problemas práticos para os quais a reflexão e as explicações teóricas produzidas até o momento ainda não foram suficientemente esclarecedoras.

Que ninguém vá agora sair por aí tirando todas as vírgulas do seu texto! Há aquelas corretas e imprescindíveis, como as que separam as orações adjetivas explicativas, assim com há as vírgulas optativas, igualmente corretas mas dispensáveis quando não se tem necessidade de enfatizar os elementos intercalados ou deslocados, para começo de conversa.

Depois dessas questões preliminares, vamos à indagação formulada pelo leitor Lauri Klein, de Porto Alegre/RS: qual a razão das vírgulas em “o Dec. 2.284, art. 2°, prevê...”, “cf. art. 171, § 1º, II, b, da CF”.

As vírgulas são usadas aí exatamente porque se faz uma quebra, uma inversão da ordem direta com a colocação do maior antes do menor. Quando o dispositivo de lei é escrito do menor desdobramento para o maior (ordem lógica), não se usam vírgulas:

- O art. 37 da Lei nº 8.245/91 dispõe que o locador pode exigir do locatário três tipos de garantia.

- De acordo com o § 4º do art. 64 da Constituição do Estado, será convocado o de maior votação.

- Assim, autorizam os caucionantes que se averbe junto ao imóvel a presente caução, nos termos do inciso II, número 8, do art. 167 da Lei 6.015/73. [o ‘número 8’ está entre vírgulas porque é uma parte menor, um desdobramento do inciso II]

 

Vírgula depois do sujeito

"Há regra para colocação de vírgula? Eu costumo empregar o método da respiração." Assim escreveu, com muita espontaneidade, o leitor Adelino Miranda, de Porto Alegre/RS.

Como já tivemos oportunidade de dizer, não se coloca vírgula de ouvido simplesmente; não há uma necessária conexão entre vírgula e pausa – "nem a toda pausa corresponde uma vírgula, nem a toda vírgula corresponde uma pausa...", sustenta Celso Luft. O fato é que a vírgula obedece a critérios sintáticos, não se devendo separar os termos da oração unidos sintaticamente, ou seja, colocar vírgula entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos, a não ser que haja encaixes entre esses elementos.

Vírgula entre sujeito e predicado/verbo é erro, conseqüentemente. Maus exemplos:

*As conquistas recentes e o seu carisma, colocam Guga como o tenista mais popular de todo o circuito.

* O Herbarium Laboratório Botânico, está completando 15 anos.

* A inobservância das obrigações estabelecidas nesta lei, sujeitará o infrator às penas previstas na legislação.

Frases corrigidas:

- As conquistas recentes e o seu carisma colocam Guga como o tenista mais popular de todo o circuito.

- O Herbarium Laboratório Botânico está completando 15 anos.

- A inobservância das obrigações estabelecidas nesta lei sujeitará o infrator às penas previstas na legislação.

Desconfie da vírgula antes do verbo! Ela só estará ali se houver um encaixe ou intercalação, que se marca por duas vírgulas:

Errado:
* O 1° Congresso Internacional de Educação Holística – CIEH, foi lançado com festa. [não vai a vírgula mesmo que na leitura se faça pequena pausa depois da sigla]

Certo:
O 1° Congresso Internacional de Educação Holística – CIEH foi lançado com festa.

Com encaixe:
O 1° Congresso Internacional de Educação Holística – CIEH, a ser promovido pelo Colégio Coração de Jesus, foi lançado com festa.

Observemos mais dois exemplos em que o sujeito está separado do seu predicado por uma intercalação entre vírgulas:

• A propriedade utilizada pelo ex-governador Hercílio Luz para passar os dias de descanso no distrito de Taquaras, em Rancho Queimado/SC, está prestes a se transformar num empreendimento que unirá lazer e preservação do patrimônio.

• A globalização, seja de forma direta ou indireta, está expondo os agricultores do Mercosul a um perigo mais forte: o de servirem de cobaias para agrotóxicos que são proibidos em países da Europa.


"Os advérbios terminados em mente são necessariamente colocados entre vírgulas?" pergunta Mirian Silva Rossi, de São Paulo.

De jeito nenhum! Veja algumas boas frases: Esta é uma medida tecnologicamente possível. Falou incansavelmente para a multidão. Saiu-se razoavelmente bem. Ele disse que lamentavelmente não havia condições de retorno. As cores azul e verde correspondem respectivamente aos grupos 10 e 11.

Você colocará esse advérbio entre vírgulas se quiser dar ênfase especial ao que ele expressa, por exemplo: Ontem, infelizmente, não nos encontramos no colégio. / As cores azul e verde correspondem, respectivamente, aos grupos 10 e 11.