Encontrei-me, dia desses, com um triste e sorumbático Sandoval, que foi logo me dizendo estar colocando à venda a casa em que morava há mais de cinquenta anos, em virtude da violência que assolava seu bairro. Já procurava apartamento para alugar, porque pensava em sair dela antes mesmo de negociá-la. Perguntei-lhe o que faria com o barzinho e ele me falou que havia encontrado um ponto de que gostara muito. Se conseguisse um imóvel perto, seria o máximo. Ofereci-me para ajudá-lo na empreitada de buscar seu novo lar; e não é que a figura, estranhamente, aceitou. Quem o conhece sabe o quanto era turrão. Vai ver a idade o estava tornando, também, mais tolerante; pois, medroso, não restava dúvida de que ficara. Selecionamos, por classificados de jornais, várias opções; contatamos algumas imobiliárias e corretores, e fomos a campo. Gostaria o velho Sandoval de um apartamento não muito pequeno – tinha netos e eles precisavam de espaço - nem extremamente usado, em local tranquilo e a um custo compatível com “suas posses”. Como o mercado andava em tempo de vacas magras, de poucos negócios, e a oferta era farta, cria que não seria tão difícil conseguir o que meu amigo buscava. Quatro ou cinco visitas no primeiro dia e nenhum dos apartamentos pareceu satisfazê-lo. Percebi que Sandoval rechaçava alguns imóveis antes mesmo de saber das condições que lhe seriam oferecidas para alugá-lo: já da porta desistia. Entendi que ele estava apreensivo, talvez já quase arrependido de querer vender sua casa. Fui obrigado a instigá-lo a fim de tirá-lo do marasmo. Relembrei-lhe das diversas cenas de violência por que passara, juntamente com a família; fi-lo ver que não era mais criança, nem a esposa e que, portanto, mudarem-se para um lugar mais calmo, de preferência, próximo ao local de trabalho, seria opção interessante. Três ou quatro no dia seguinte, aos quais, registre-se, criticou ou elogiou com certa naturalidade. Até me perguntou se não estava chateado em acompanhá-lo naquela jornada desagradável, para mim, certamente. Nem lhe dei ouvidos, e continuamos até que ele encontrou um de que gostou muito. Menos de dez anos de construído, na esquina de duas ruas de pouco movimento, a cerca de quinhentos metros de seu futuro barzinho. Grande, quatro quartos, área de apoio boa, ótimo playground; quadrinha de esportes e piscina de bom tamanho. Seus netos ficariam satisfeitos, adiantou-me; e, já justificando: é que o filho tinha a casa e a mulher dele, sua preocupação, pois, era com as crianças. Que, para quem não sabe, moravam com os pais. Avô é assim mesmo, fazer o quê? Começaria ali, após a escolha do imóvel preferido por Sandoval, sua, ou melhor, nossa via-crúcis. O apartamento estava há algum tempo desocupado, e, pelo que ficaria constatado, não em decorrência do que os donos pediam como aluguel e despesas de condomínio. A demorada vacância devia-se à imobiliária, uma das mais conhecidas e respeitadas da cidade, porém, burocrática que só uma boa repartição pública. Das exigências para ocupação do imóvel, a mais simples era que o locatário precisava apresentar, no mínimo, dois fiadores, cuja renda precisava ser diversas vezes maior do que o valor do aluguel. Contratos de locação e de vistoria draconianos; taxa para tudo, de pedidos de orçamentos a intermediação na contratação de serviços. Nada ela fazia como gentileza ou deferência. Entre a visita ao apartamento e a data de assinatura do contrato de locação, quase uma quinzena. Isso porque, muito mais eu, do que ele, fiquei em cima, marquei colado, buscando rapidez na solução dos problemas apresentados: reparação de pequenas avarias no imóvel, lavratura e reconhecimento de firmas e autenticações de documentos; disponibilização de contas bancárias para depósito/quitação da primeira mensalidade do aluguel, do seguro locatício e demais estipêndios financeiros. Sandoval, se não fosse minha intervenção, teria desistido do negócio e mandado a administradora às favas sem nenhuma cerimônia. Momento de assinatura do contrato. Energia elétrica, água e gás em processo de religação, Sandoval já queria colocar seus trecos dentro do imóvel, o que, somente foi permitido depois que esculachei o representante da administradora. Acusei-lhe de ser culpado pelo enorme tempo de desocupação daquele imóvel e de outros, também pelo prejuízo causado aos proprietários; sua inflexibilidade e o abuso em cláusulas do contrato, que as tornavam quase impraticáveis, apesar de facilmente discutíveis em juízo, espantavam até os mais pacientes. Contrato assinado, desejei a Sandoval boa estada na sua nova casa. Após me agradecer, absurdamente, convidou-me, não só para a primeira farra no seu novo barzinho, como me incumbiu de passar a notícia à frente. Missão aceita, amigo, e com enorme prazer. Uma lição tirei do serviço de locação imobiliária na cidade. Sem querer ser leviano, mas já sendo, diria: para as administradoras, o locatário parece um criminoso; dele desconfiam do início ao fim das negociações; a ele só cabem obrigações contratuais; seu único direito é ocupar o imóvel, depois de assinados todos os papéis e pagas todas as taxas, tributos e emolumentos. Não pode atrasar qualquer pagamento, ou terá cancelado o contrato e, sem prévio aviso, insistindo com a inadimplência, verá seu nome ser levado às SERASAs, SPCs e que tais, a gosto da administradora. Ou seja, não soa estranho imaginar que não é a crise econômico-financeira, somente, a responsável direta por tantas unidades imobiliárias vazias: o excesso de exigências e cautelas de algumas corretoras é corresponsável pelo esvaziamento. Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal ([email protected]