A vez

[Pedro Henrique Saraiva]

Meritocracia? Há cidadão trabalhando nos meios de produção que a defenda.

O sujeito jura que um dia haverá de atingir patamares de remuneração parecidos com os de um jogador de futebol, por exemplo. Foi o que me disse a gerente de uma escola onde eu ia trabalhar.

Ela disse a nós, que estávamos em processo de treinamento para assumir um cargo na empresa, que nos atentássemos a Messi, a Cristiano Ronaldo e a Neymar; solicitou que observássemos como eles eram os mais reconhecidos jogadores desse tempo presente e que tudo que conseguiram foi justamente proporcional ao esforço que empenharam e continuam empenhando durante suas carreiras. Por fim, ela jurou que se nós, agora incluindo ela, se nós nos esforçássemos na mesma medida, teríamos resultados bem parecidos.

Alguns jogadores profissionais de futebol parecem pensar nisso mesmo. Pelo menos é o que eu percebo assistindo a alguns deles falar. Certamente, há muitas histórias de superação entre eles, de situações difíceis na infância, histórias que puderam ser contornadas através de uma carreira no futebol. Mas essas não consistem em histórias tão comuns em nosso país quanto à própria falta de perspectiva de resolução para a maioria dos casos de pobreza. E aí, parece que muitos desses jogadores juram que possuem os bens materiais que possuem pelo esforço extraordinário já despendido. Ingênuos, na melhor hipótese.

Mas, foi apenas uma sorte, um acaso de ser justamente hoje um tempo em que quase o mundo inteiro aprecia e dá tanta atenção ao futebol, o que gerou um mercado gigantesco, capaz de produzir uma quantidade incontável de dinheiro todo dia, todo instante. Tivessem esses jogadores atuando aqui no Brasil em 1895 (mais ou menos quando o futebol chegou por aqui), teriam dificuldades do tamanho das dificuldades da época. E as contas não se pagariam tão facilmente.

Pode ser que daqui a trezentos anos os gostos de nossa sociedade mudem radicalmente. Pode ser que chegue a vez dos escritores serem tão valorizados, tão bem pagos. Nesse caso, seriam os clubes de leitura os mais prestigiados no mundo. Pode chegar a vez dos professores. Aí, estes sim fechariam contratos gigantescos logo cedo e receberiam, quando pouco, salários de quinhentos mil reais e os de maior visibilidade receberiam algo em torno de dezoito milhões de reais, com todos os patrocínios à parte. Pode chegar, inclusive, a vez dos outros milhares de jogadores de futebol que não tiveram tanta sorte.

Pode chegar a vez de todos que não tem agora.