Por Rogel Samuel
 
Passaram-se vários dias sem que a víssemos, a pantera, e por isso julgamos que ela tinha sido morta na batalha, quando então de repente vimos uma lagoa ingente, açoitada dos ventos da montanha, como o que flagela o vento e ao rumo minhas ideias se volveram.
Mas ali buscamos beber.
 
Jara pode pescar estranhos peixes que comemos.
 
“Mas andemos” – disse-me ela, “prossigamos nossa empresa, vem no horizonte a noite ameaçadora, e mais além a rota da passagem se faz escura”.
 
Apreensivos passamos aquela noite e quando acordamos, no meio da campina, vejo, feroz, um monstro desconhecido, como quem já lá estava à espera e atento à nossa morte, que à vista se fazia pavoroso. Estávamos num caminho quase escondido, na borda de uma ribanceira, de forma que o monstro, que era um búfalo ou algo parecido, nos fechava e ameaçava avançar e então Jara disse: “Rápido demandemos a entrada da passagem” e eu cismava: “estamos agora em ruína”, que do horrendo monstro eu via já a ira invencível.
 
“Deves saber que, uma vez descendo ao extremo desse bosque, lá em baixo esta rocha não está como estás vendo”.
 
Mas desse vale temi tanto a profundeza, que pensei cairmos no profundo.
 
Foi então que vi que minha amiga nos conduzia por uma vereda estreita de pedra de onde víamos o vale e um rio, no fundo, à distância.
 
E uma cava divisei por onde passar não podia um animal daquele porte, que arqueava no seu plano inteiro, como quem quisesse que do mal se afastasse. E no espaço em que o penhasco dá passagem veio o monstro descer nos vendo mais acima. O arco e os arremessos preparando estava Jara, quando um brado de longe nos soara, que despertou o monstro para trás. Senti logo que era a pantera vindo, como quem vingara quem fatal lhe fora.
 
Aqueles dois monstros logo se encontraram, e a guerra entre eles iam começar, em nome do que os passos meus em tão medonha estrada continuaram. E Jara volveu-se à destra, segurou-me, e disse: “Não olhe para trás, não olhe para trás, vamos descendo para o caminho mais largo, para sairmos daqui o quanto antes”.
 
E partimos naquela companhia das ondas de horror que do ar subiam, daquele agudo estridor que vinha ao longe daquelas duas feras em luta de morte que se enfrentavam, e mesmo de longe o sangue me faltava.
 
Não estávamos ainda livres disso quando por um bosque penetramos, de vestígios e de traços não marcados, sem frondes verdes mas escuras e cujos galhos nodosos e espinhentos tinham flores e frutos que pareciam venenosos.
 
Ainda soavam nas selvas os uivos dos insanos ferozes inimigos que se estavam matando, quando Jara me alertou: “Não encontraremos daqui em diante lugar onde com calma possamos descansar, pois essas matas por aqui são possuídas de estranhas torvações”.
 
E asas negras rodopiando nos céus, garras afiadas ameaçando, apareceram e Jara me insta de segui-la, e dali a curta distância nos afasta das aves cujos sons ouvíamos, quando um rio apareceu descendo a montanha, de águas geladas e retombando e caindo pelas encostas.
 
Ah, por meus deuses, ah meus deuses, foi quando ouvimos o grito estrídulo da besta, que de longe se aproximava.
Mas muito tempo caminhamos em silencio para nos afastar do animal sangrento, quando chegamos à beira de um penhasco.
 
De uma corda eu me achava então cingido, que a tirasse Jara me dissera, e eu logo a entreguei como ela prescrevera. Então ela à direita se voltando à borda do abismo infando: “Surgirá, em breve, novo perigo, trazido pela besta dos infernos. Precisamos logo sair”.
 
E assim começamos a descida, lentos e cautelosos, protegidos pela corda, mas ao longe antevimos a fera de horrenda cauda e bafo imundo. E logo atravessamos para o outro lado: “Convém seja o caminho desviado da senda” disse-me ela. E seguimos pelo lado direito por duas horas de lenta e dolorosa caminhada até bem longe daquele abismo ingente.