[Galeno Amorim]

Filho e neto de ribeirinhos, Tenório passou a infância entre cipoais e banhos de rio na Costa do Cabaleana, um lugarejo escondido às margens do Rio Solimões, no epicentro da Amazônia. Era aquele um lugar muito pobre, sem qualquer recurso, onde nem escola existia.

Quem quisesse ser alguém na vida que fosse às aulas improvisadas em um canto qualquer. E tendo como mestre algum abençoado morador do povoado que houvesse, ao menos, aprendido a ler e a escrever.

A vida de Tenório e dos outros meninos de futuro incerto se resumia, assim, às águas do Rio Purus, um dos tantos paranazinhos que esquartejam o município de Manacapuru, no Alto Amazonas.

Uma tarde, ao voltar do trabalho nas lavouras de juta, a mãe do menino levou um baita susto: ele estava lendo!

Isso mesmo: o pequeno rebento havia aprendido, sabe-se lá como, a juntar letras e a soletrar sílabas. Com o auxílio de um velho tio semi-analfabeto, agora já conseguia formar palavras inteiras. E, com orgulho indisfarçável, cantava cada uma delas, como que a exibir o seu troféu:

- Ba-na-nei-ra! Mas não havia livros por lá. Arrumaram, então, uma bíblia pra ele e o moleque de cinco anos passou a ler, mais cheio ainda de si de satisfação, os versículos e salmos para a mãe analfabeta.

Naquele dia, ela não teve dúvidas: pegou o filho pelas mãos e resolveu que já era hora de dar a ele um rumo na vida e uma vida melhor:

- Vamos mudar pra Manaus pra você poder ser alguém nesta vida - ela sentenciou, decidida como só. - Pobre só tem chance de ser alguém se souber ler e conhecer...

Dito e feito.

Mesmo na Capital, Tenório ainda teria muitas dificuldades pela frente. A família, afinal, não tinha dinheiro sequer para comprar os livros da escola. Mas ele não se fez de rogado: pedia emprestado e passava as noites decorando cartilhas inteiras, que era pra não fazer feio na escola.

O meninote cresceu. Se interessou de vez pelos livros e acabou passando no vestibular para a Universidade Federal do Amazonas. Foi cursar Direito e resolveu fazer também a faculdade de Letras - foi, enfim, ser alguém na vida, como vaticinara a pobre e sábia mãe.

- Me apaixonei perdidamente pelas palavras e até hoje sei de cabeça trechos inteiros dos livros que não podia comprar - diz, hoje, o poeta, editor e professor universitário Tenório Telles, autor de ensaios, ativista cultural dos bons no meio da floresta amazônica e recentemente eleito para presidir a Câmara do Livro e da Leitura do Amazonas.

Histórias como a dele, diz, só fazem confirmar o poder que os livros têm na vida das pessoas. E a sua inquebrantável capacidade de operar milagres e transformar o mundo num lugar melhor. Se pudesse, Tenório não teria dúvidas: instituiria um dia obrigatório de leitura por semana em toda escola do País.

É, diz, para que outras crianças como Tenório e seus amigos curumins da beira do Rio Purus também tenham acesso ao sagrado direito de ler.