[Washington Ramos]

     Existem a Legião de Maria e a Legião de Honra. Já existiram a Legião Brasileira de Assistência e a Legião Urbana, todas quatro devidamente documentadas com suas regras e símbolos. Mas, sem regra nenhuma hoje, existe também a Legião Mundial da Literatura, que é a maior de todas. Seu principal instrumento é a palavra escrita, que tem se tornado, ao longo dos milênios, um baluarte indestrutível. Pode ferir ou consolar, sugerir o amor ou o ódio, construir ou destruir pontes.

     Os legionários da LML são os leitores e os escritores, que não precisam de inscrição, nem de símbolos, nem da permissão de ninguém para sua atuação no mundo, inclusive nos mais diferentes lugares como o Piauí, o Japão, os EUA, a China...

     Alguns prêmios tentam glorificar os legionários-escritores que a eles concorrem, como o Nobel, o Camões e o Pulitzer. Muitos dos premiados estão hoje completamente esquecidos, sobretudo aqueles que foram laureados à custa de politicalha. Alguns legionários-escritores, porém, não querem saber de premiação nenhuma e simplesmente evitam relação com o poder, pois sabem que a liberdade de expressão é, também, publicar aquilo que os poderosos não querem que seja publicado.

     Os legionários-leitores, coitados, são os trabalhadores braçais da LML. São eles que carregam essa legião sobre seus ombros, comprando livros, se endividando, se afundando em cartões de crédito, tendo os olhos maiores do que o cérebro. Não podem passar diante de uma livraria, que eles entram e compram mais um livro embora já tenha centenas em casa. Desses, alguns ainda não foram lidos. Como peões que trabalham duro, os legionários-leitores são ignorados. Às vezes, ouvem o brado de alguns legionários-escritores que batem no peito e gritam: ”Sou autêntico, não faço concessão, o leitor que se lasque pra lá!”

     Mas o mais árduo trabalho dos legionários-leitores é evitar o assédio do mundo da imagem, que quer aprisoná-los. O Facebook, o Twitter, o Instagram, a Netflix, a web, a tevê aberta, toda essa parafernália, como as sereias que, com seu canto irresistível, atraíam o herói grego Ulisses, quer seduzi-los para sempre. Mas eles resistem, não amarrados com  cordas como o grego . Suas cordas, na verdade, são a sua biblioteca onde não entra nenhum  equipamento eletrônico. Seus textos, quando raramente rabiscam alguma coisa, são datilografados numa velha máquina de escrever. É ali que eles, na solidão e no silêncio, mergulhando em várias leituras, subindo na escada para procurar um livro, têm seu momento de prazer.