O capitão-mor João Gomes do Rego era natural do reino, de onde passara para a Bahia em 1696
O capitão-mor João Gomes do Rego era natural do reino, de onde passara para a Bahia em 1696

[Reginaldo Miranda]

Em face dos tratados internacionais que perduram até os dias de hoje entre Portugal e Inglaterra, sempre foi dúbia, conflituosa e cheia de desconfianças a relação diplomática daquele com a França, velha adversária desta.

Portanto, reinava certa dúvida nessa relação ao final do século XVII, o que levou o rei D. Pedro II, de Portugal, a tomar ao menos duas medidas que indiretamente afetariam o norte do Piauí e influenciariam na colonização do delta parnaibano: a primeira, por carta de 28 de novembro de 1699, mandou o governador e capitão-geral de Pernambuco e mais capitanias anexas, Dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro a criar e remeter para o Maranhão duas companhias de cem homens cada, com os respectivos postos de dois capitães, dois alferes e quatro sargentos, o que foi concretizado em março do ano seguinte. Essas companhias, que deveriam guarnecer a costa leste-oeste, seguiram para São Luiz, onde chegaram em outubro de 1700, uma delas sendo comandada por Dom Francisco de Castelo Branco, que foi vítima de naufrágio, sobrevivendo com três filhas que, mais tarde, iriam residir no norte do Piauí (AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529); a segunda medida protetiva, por meio da mesma autoridade, foi encarregar o coronel de infantaria da ordenança da capitania do Ceará, Leonardo de Sá a perlustrar e estudar a barra do rio Parnaíba, para onde marchou ele “por cabo de 700 homens, entre índios e brancos, vencendo os incômodos daquela jornada em que padeceram repetidos trabalhos, sustentando-se à sua custa e a muitos daquela tropa de que resultou sondar-se a dita barra e conhecer-se a sua capacidade” (PT/TT/RGM/C/0007/380095 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.505v; PT/TT/RGM/C/0007/380094 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.505 e 555).

Foram essas medidas preventivas de defesa da costa leste-oeste uma consequência da política que se desenvolvia na Europa. Em sendo o Parnaíba um rio navegável, com boa penetração para o interior e uma foz em forma de delta, com cinco bocas, era de supor-se que o inimigo aí pudesse penetrar. Portanto, toda cautela seria pouca, o que justifica a estratégica missão de estudo encarregada a Leonardo de Sá.

Como consequência dessa missão e do estudo de capacidade da dita barra, foi em seguida autorizado o deslocamento de um terceiro contingente militar e fundação de um arraial que funcionaria como forte de defesa no estratégico território. Porém, o tempo que demandou entre a tomada dessas medidas e sua execução coincidiu com o de desanexação do Piauí do governo de Pernambuco e sua passagem para o do Maranhão. Em face desses fatos o governador de Pernambuco organizou o novo contingente e o encaminhou ao do Maranhão, Christóvão da Costa Freire, que o remeteu ao seu destino. Fora seu comandante o português João Gomes do Rego, que chegou ao delta parnaibano com seus soldados em 19 de maio de 1708, nesta data dando princípio à fundação do arraial que ficou conhecida por Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba, dele sendo nomeado pelo mesmo governador para o posto de capitão-mor. Foi confirmado pelo rei nesse posto em 16 de dezembro de 1711, para servir pelo tempo de três anos, sem perceber soldo da Real Fazenda, mas gozando “de todas as honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas que em razão do dito posto lhe pertencerem”.

O capitão-mor João Gomes do Rego era natural do reino, de onde passara para a Bahia em 1696, onde servira nos postos de alferes, capitão de infantaria dos terços das ordenanças e o de capitão-mor das entradas na capitania do Piauí, por espaço de 10 anos, 2 meses e 23 dias, antes de passar ao Regimento do Maranhão. Por esse tempo, prestara serviço ao lado de Pedro Barbosa Leal, administrador das minas de salitre, de que nascera entre eles uma relação de amizade e confiança (PT/TT/RGM/C/0007/48211 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Portanto, quando João Gomes do Rego veio fundar a vila de N. Sra. de Monserrate da Parnaíba, já era experiente na carreira militar. Depois acrescentaria ao nome o epíteto Barra, talvez em alusão à Barra do Parnaíba, onde fixou residência definitiva e fez fortuna, passando a assinar João Gomes do Rego Barra. E foi de muita importância essa amizade com o abastado fazendeiro Pedro Barbosa Leal, sócio da Casa da Torre, que adquirira direitos sobre extensa área de terra no delta parnaibano. E o militar João Gomes do Rego veio também como seu procurador, para defender seu patrimônio e situar fazendas, razão pela qual não se incomodou pelo fato de não perceber soldos do Real serviço. Certamente, fora tudo acertado na Bahia, onde ambos trabalhavam juntos, em concerto com o governo numa parceria público-privada.

Pode-se dizer, então, que a vila de Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba foi criada com o múltiplo objetivo de defesa territorial, assim como implementação de fazendas, comércio de carnes, couros e exploração de salinas, em cujos ramos já eram experientes seus fundadores. De fato, João Gomes do Rego Barra defendeu o território, não de ataque francês, que nunca veio, mas dos indígenas que se rebelaram por longo período; assim como, situou fazendas para Pedro Barbosa Leal e para si, além de explorar o comércio de sal e gado bovino, fazendo riqueza.

Para que não reste dúvida sobre essa fase inicial da vila, segue trecho do documento de confirmação da patente de capitão-mor de João Gomes de Rego, que lhe fora dada pelo governador Cristóvão da Costa Freire, onde indica claramente a data de fundação do lugar:

 “... passou à Vila Nova da Pernahiba e deu princípio à fundação dela em 19 de maio de 1708, aonde se acha assistente e morador e assim nesta como em as mais ocasiões, se houve com grande desvelo, cuidado e procedimento, experimentando muitas fomes e sedes, fazendo todo este serviço com considerável despesa de sua fazenda, sem da Real receber cousa alguma” (PT/TT/RGM/C/0007/48211. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Ainda em 1711, Pedro Barbosa Leal solicita à Cúria de São Luís do Maranhão, licença para construir uma capela sob a invocação de Nossa Senhora de Monserrate, padroeira do lugar e santa de sua devoção, cujo nome passa a denominar-se a povoação, obtendo resposta favorável em 11 de julho do mesmo ano. E, de fato, a edificou. Na oportunidade foi também enviado um sacerdote para o lugar (AHU. ACL. CU 013. Cx. 06. D. 535).

Com o Levante geral dos índios, em 1713 foi a nascente vila sitiada pelos indígenas, tendo o capitão-mor João Gomes do Rego lutado ao lado do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, para libertá-la do cerco indígena. Sobre esse assunto noticiou o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, que tendo notícia que o gentio havia sitiado a vila da Parnaíba, marchou com toda a pressa a socorrê-la com uma tropa, praticando esta ação com sucesso e fazendo levantar o sítio. Em seguida, perseguindo o dito gentio encontrou uma maloca dele, matando e aprisionando a todos. Perseguindo outra maloca maior, esta conseguiu fugir para uma ilha aonde não podia ser acometida. Então, vendo a dificuldade lhe mandou língua para os poder reduzir, o que conseguiu, aceitando o dito gentio um religioso para o doutrinar, cuja campanha durou cerca de três meses.

Aliás, desde antes já vinha João Gomes do Rego lutando ao lado de Antônio da Cunha Souto Maior, no combate aos indígenas no norte do Estado. Diz ele em petição, que juntamente com aquele falecido mestre-de-campo que fora assassinado pelos indígenas em 1712, resistiu em três combates seguidos, lutando os índios também com armas de fogo e ele tendo perdido nessa guerra mais de cinco mil cruzados. Nessas lutas meteu ele de paz o aranhis, desinfestando assim grande área do delta.

Ao final do levante indígena exercia o cargo de sargento-mor da Vila de Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba, em auxílio a João Gomes, o português Manoel Peres Ribeiro, que, depois de seu exercício retornou para o reino. Foi ele quem alvejou a tiros e abateu o líder indígena Mandu Ladino, enquanto este atravessava a nado o rio Parnaíba. Era proprietário e fazendeiro nas datas Santo Antônio da Boa Vista e Almas, do mesmo termo. Então, com essa vacância, em 7 de maio de 1724 foi pelo governador João da Maia da Gama provido no dito posto a Antônio de Oliveira Lopes, então morador e “tenente de cavalaria da dita capitania, sendo um dos descobridores e conquistadores das terras dela, havendo feito algumas entradas à sua custa ao gentio bárbaro”. Em 10 de maio de 1728, pede o mesmo a el-rei seja confirmado no dito posto (AHU ACL CU_016, Cx. 1, D. 39).

Permaneceu João Gomes do Rego, no posto de capitão-mor de Parnaíba até novembro de 1724, quando afastou-se tirando-lhe residência o ouvidor-geral da Vila da Mocha, Antônio Marques Cardoso (PT/TT/RGM/D/0002/63197. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 2, f. 455; ACU. ACL. CU 01. Cx. 1. D. 26).

Por seu turno, em 29 de junho de 1727, o ouvidor Antônio Marques Cardoso comunica a Sua Majestade que os oficiais da Câmara da Vila da Mocha haviam elegido e dado posse naquele mês a um juiz para a Vila da Parnaíba e freguesia de Nossa Senhora da Piracuruca. Seguiu este ao seu destino com o Regimento que remeteu tirado do Capítulo 3º e 8º dos Ouvidores do Maranhão, de que se lhe mandou usar com o mais que o dito Regimento consta, mas não permitindo ao dito juiz nos casos crime na forma do dito Capítulo 8º, para se não dar ocasião a exceder o que contém ou usar sem termo das penas que nele se faz menção e consta da certidão que enviou. Também, para servir com o dito juiz passara provimento a um Tabelião do Judicial e Notas, que se criou para esse efeito, assim como a um Provedor para a freguesia de Santo Antônio do Surubim, e de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca, para naquela povoação não haver falta na arrecadação de seus bens, criando juntamente outro tabelião para escrever nos inventários e fazer os testamentos. Todas essas medidas foram mais tarde confirmadas por el-rei (AHU_ACL_CU_016, Cx. 1, D. 59).

Em 1743, assumiu o posto de capitão-mor da Vila da Parnaíba o português Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, grande proprietário de terras no delta e demais partes do Estado, em cuja cargo permanece até a instalação da vila de São João da Parnaíba, em 1762.

Com o tempo a Vila da Parnaíba foi perdendo o caráter militar e permanecendo apenas como entreposto comercial, o Porto das Barcas. Embora em 18 de agosto de 1762, a vila de São João da Paranaíba tenha sido instalada no estéril lugar Testa Branca, logo mais foi transferida para este Porto das Barcas, onde permaneceu e se consolidou por todo o período colonial e imperial como a maior praça comercial do Piauí. A partir de 1779, o comerciante e industrial Domingos Dias da Silva, assumiu o monopólio da indústria de charque e estabeleceu comércio direto desta vila como os portos de Lisboa e Porto, existindo farta documentação a respeito. Parnaíba, tornou-se, assim, um dos maiores centros comerciais do norte do Brasil, cujo monopólio de seu principal comerciante preocupava o governo do Maranhão, conforme cartas enviadas à corte. Mas essa fase é assunto para outros estudos, bastando agora esse esclarecimento sobre a fundação e desenvolvimento do lugar. No próximo dia 19 de maio, Parnaíba comemorará 310 anos de fundação, embora a emancipação política só tenha vindo em 18 de agosto de 1762.

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* REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico e Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.