Leio mais um poema de Dogen, poeta japonês, nascido em Kyoto (1200-1253) e fundador da
escola Soto Zen. Mas ele é, antes de tudo, um grande poeta, que é o que nos interessa
aqui. Ele era um aristocrata que perdeu o pai e a mãe, abandonou tudo, tornou-se monge
e viajou em busca de um mestre que lhe respondesse às suas inquietações. Foi até a China,
uma viagem perigosa na época.


Alegre neste retiro da montanha
contudo ainda no sentimento de melancolia
estudando o Sutra do Lótus diariamente
Pratico meditação concentrada;
O que fazem o amor e o ódio
Quando estou aqui sozinho?
Escuta o som da chuva tardia nesta noite do outono.


O poema fala dos contrastes da mente e do corpo humano, alegre e triste, amando e odiando.
Mesmo isolado no retiro da montanha, aquelas contradições estavam ali presentes. E contradição significa inquietação, desequilíbrio, que ele traz até ali. O Sutra do Lótus
é "Sutra dos Infinitos Significados", não estava acalmando seu corpo e mente, porque
"O acesso a esta sabedoria é difícil de compreender e difícil de transpor".

A "solução" poética desta dúvida foi escutar o som da chuva tardia.

Talvez aí nasceu o olho.