[Whashington Ramos]

     Paulo Freire e seus seguidores opõem o conceito de educação libertadora e revolucionária ao de educação bancária. Esta se caracteriza por ser o professor o detentor do conhecimento e o elemento ativo na sala de aula, o depositante. Já o aluno é apenas o depositário, a figura passiva e se reduz a receber os depósitos que seu mestre vai lhe incutir. A educação libertadora e revolucionária, por sua vez, é aquela em que o professor vai dialogar com seu aluno democraticamente, aproveitando os saberes que seu discípulo já possui,  e juntos vão construir o conhecimento.

     É difícill negar que o conceito de Paulo Freire é de uma beleza ímpar e encantadora. Trata-se, inegavelmente, de uma bela teoria formulada  há cinquenta anos. Contudo será que muitos professores a têm aplicado com sucesso? E hoje? Será que ela pode ser aplicada com êxito atualmente?

     Prosseguindo com nossa reflexão, lembremo-nos de que, quando essa teoria surgiu, o mundo era muito diferente de hoje. Era uma época em que a televisão estava engatinhando no Brasil. A informática, coitada, “protegida” por uma tal de lei de reserva de mercado, que muitos admiradores de Paulo Freire defendiam com unhas e dentes, não aparecia sequer em nossos sonhos mais delirantemente  otimistas. Internet e celular? Ih... Esses dois, ninguém previu nem imaginou. Era um mundo em que estudar era coisa só de gente rica, como mostra Assis Brasil no romance Beira rio, beira vida, na fala de Clemilda tentando ridicularizar o menino Jessé diante dos trabalhadores num armazém de beneficiamento de arroz:” Olhem aí, querendo estudar, querendo ser gente rica.”  Era um período em que a maioria das crianças chegava quase totalmente virgem à escola, como mostra Raul Pompeia na primeira linha de O Ateneu, no aviso que o pai dá ao menino Sérgio:” Vais encontrar o mundo, coragem para a luta.” Podiam até chegar já sabendo de imoralidades, como o Carlos na última página de Menino de Engenho. Mas, em alfabetização e estudos, eram quase totalmente virgens.  Como o mundo se transformou muito, muito mesmo, nesses últimos cinquenta anos! Chega a ser assustador refletir sobre mudanças tão inesperadas e radicalmente transformadoras.

     Hoje, o aluno não chega mais à escola tímido e sem saberes, nem é mais o “inocente, puro e besta que veio do interior”. Não, nada disso. Ele chega estribado num celularzão melhor do que o do professor. Ele traz no bolso ou na mochila essa supermáquina, que é também um meio de comunicação e uma superenciclopédia com a qual ele pode aprender quase tudo, desde a simples fórmula da água  até a maneira de como fabricar uma bomba caseira.  Ele possui um poder considerável,  estimulado pelos pais, que permitem que o filho leve o celular para a escola, e pela portaria, a coordenação e a direção que não impedem a entrada do aluno com esse aparelho. Depois todos querem que o professor controle o uso do celular em sala de aula. É como se diz no popular: “sobra para o professor.”

     Alguém pode pensar que me refiro só aos alunos das ricas escolas particulares. Não. Refiro-me a estudantes de escolas particulares e públicas, inclusive escolas da periferia. Digo por experiência própria. Em 2013, no colégio Helena  Aquino, no bairro Parque Alvorada, contei 23 celulares numa sala de aula de 38 alunos presentes. Como alguns preferiram não mostrar, é claro que havia mais de 23.

     Como o professor não é mais o único detentor do conhecimento em sala de aula e o aluno cada vez mais se sentindo poderoso, fazendo com que aumentem o desrespeito e as agressões na escola, tenho dúvida se a teoria de Paulo Freire produz algum efeito positivo hoje. Não só a dele, mas qualquer uma. Tenho dúvida se é possível democratizar realmente a relação entre aluno, professor, direção, coordenação e pais na qual a parte mais fraca é exatamente a do mestre.