Silêncio, um velho conhecido

[*Marcelo Martins Eulálio]

 

Ontem, sem querer, encontrei o silêncio. Não aquele silêncio desconfortável, comum em um elevador cheio, nem o silêncio tenso das discussões interrompidas. Era outro tipo, um silêncio mais antigo, quase sagrado. Um que parecia me conhecer há muito tempo.

Era noite. Estava sozinho na sala de minha casa, sem notificações de WhatsApp, sem vozes, sem pressa. Minha companhia era apenas uma taça de vinho. E ele veio chegando de mansinho, como quem não quer atrapalhar. Sentou-se ao meu lado no sofá, ofereceu um gole de paz e me disse: “Agora sim, podemos conversar”.

Engraçado. Com ele ali, nenhuma palavra foi necessária. Não havia perguntas, nem explicações. Só presença. E, naquela presença, comecei a enxergar coisas que estavam comigo desde sempre, mas que eu nunca tinha parado para notar. Um amigo antigo, talvez. Alguém que mora dentro da gente, mas que a gente vive empurrando para o fundo, ocupado demais com o barulho do mundo.

Lembrei de quando era criança, um tempo que voa, diga-se de passagem. Acho que ele já estava lá, nas tardes em que eu ficava olhando o céu, admirando as pipas coloridas que dançavam no alto, guiadas pelas mãos de outras crianças, e tentando entender por que as nuvens se moviam devagar. Depois vieram os anos corridos, as aventuras e as obrigações da juventude, os ruídos, as preocupações e a complexidade da vida adulta, e com um futuro do qual nos apropriamos apenas das esperanças, e o silêncio foi ficando para trás, esquecido no caminho.

Mas ele esperou, com a esperança voltada para o vindouro. Esperou que eu me cansasse dos aplausos e diálogos vazios, das correrias que não levam a lugar algum. Esperou que eu me desse conta de que havia algo faltando, e que esse algo não viria do lado de fora. Ali estava ele, finalmente, me dizendo: “Estou aqui contigo”.

Naquela noite, entendi que o silêncio não era ausência, mas encontro. Não era solidão, mas companhia. E talvez, só talvez, seja nesse encontro que Deus escolheu morar. Não nas orações repetidas, sem reflexão e vazias de fé, nem nas fórmulas prontas. Mas nesse espaço quieto, nesse universo particular, onde tudo se revela sem precisar dizer nada. Puro silêncio, pura oração. Percebi que não poderia mais me abstrair dele.

Depois disso, me levantei diferente. Com os mesmos problemas, as mesmas ocupações e preocupações, mas com um mundo novo dentro de mim, onde compartilho uma companhia singular e divina. Um mundo onde eu caminho mais devagar, olho mais fundo, e, às vezes, subo até o topo da colina só para lembrar que posso ver a luz e seguir em frente. É como disse Karl Ludwig Michelet, respondendo a Hegel: 'o canto do galo de uma nova manhã que rompe, anunciando uma figura rejuvenescida do mundo'. Assim me senti, como quem despertou para um novo porvir, onde tudo continua igual por fora, mas por dentro há algo irremediavelmente transformado.

Desde então, de vez em quando, desligo o mundo, e me sirvo de uma taça de vinho, não por hábito, mas como um pequeno ritual, só para reencontrar meu velho amigo. Ele nunca se foi. No fundo, ele sempre esteve ali, constante e paciente. Era eu quem não o via. Porque, no fim das contas, o silêncio sempre esteve à minha espera, o mediador indispensável entre mim e mim mesmo e entre mim e o sagrado.

 

*Marcelo Martins Eulálio é advogado, professor universitário e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí.