APENAS A ESPERANÇA
Por Cunha e Silva Filho Em: 20/09/2025, às 12H51
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APENAS A ESPERANÇA
CUNHA E SILVA FILHO
O repórter da Rede Globo, pelo que vi, já o havia escolhido para ser por ele entrevistado. Estavam num ponto de calçada da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. O jovem que ali se encontrava vendia doces e uns poucos outros itens oferecendo-os aos transeuntes que por ele passavam naquele vaivém que há tantos anos observei pela minha longa permanência como morador do Rio de Janeiro. O repórter ofereceu-lhe uma cadeira perto de outra que para ali levaram a fim de lhe fazer a entrevista.
Era um jovem negro vestido simplesmente, contudo, bem asseado. Nos pés usava chinelos. Mais um exemplo típico de pobreza honesta e digna de ser imitada, demostrando que pobreza não leva à criminalidade quando o jovem tem um objetivo a conquistar como esse sobre quem estou escrevendo essa crônica fundamentada nos dados reais que ouvi da boca desse jovem.
O repórter perguntou-lhe por sua vida pessoal, o que fazia além de vender de doces. Ele, com um olhar simpático e sorridente, lhe dissera que era estudante universitário. Fazia um curso a distância. Vida dura, áspera, cansativa, já que o jovem se ocupava de muitas coisas no seu cotidiano de pobreza e como morador da periferia carioca.
O que mais me chamou a atenção, nas palavras ouvidas daquele jovem, foi que ele não dependia nada da família, de vez que seus pais pouco podiam fazer por ele materialmente. A grandeza de seu espírito determinado e digno estava na sua capacidade de abrir caminhos e conseguir sucessos na sua vida, formar-se em algum curso superior, segundo havia dito ao repórter. Poderia ser medicina, direito, engenharia etc. Além disso, era um seguidor evangélico, frequentava uma igreja. Isso me bastou para traçar-lhe o perfil de um estudante que sabia o que estava fazendo e o que queria da vida: alcançar um lugar ao sol ( me perdoe, leitor, o lugar-comum).
Fico pensando no exemplo dado por ele a tantos outros jovens de sua geração que estão no crime, vivendo perigosamente, matando ou sendo mortos em combates entre traficantes e a polícia militar, ou entre traficantes de facções diferentes e inimigas.
Aquele jovem estudante negro, excluído do grupo dos bem postos na vida, pobre e favelado, se empenhava todo dia a fim de encontrar o caminho certo da conquista de uma posição na vida profissional e uma vida melhor socialmente falando. Não há como ter uma certa esperança na humanidade ao saber que a barreira da exclusão da sociedade capitalista e neoliberal pode ser transposta desde que que existam a determinação e a consciência despertadas para galgar um outro patamar na complexa sociedade afluente, injusta e individualista, cuja vergonhosa assimetria na pirâmide social só concorre para que o Estado Brasileiro ainda exponha aos olhos da sociedade essa chaga social que é a pobreza e o desrespeito aos despossuídos deste país de contrastes e confrontos.
Ao término da entrevista, o jovem vendedor de doces, um estudante universitário, um “acadêmico”(usando a palavra dele), ao ser perguntado pelo repórter se ele tinha esperança na vida, recebeu esta resposta sem tergiversar: Ora, se tenho...