[Galeno Amorim]

Sebastião desenvolveu o gosto pelos livros graças a sua primeira mulher, que era enfermeira. Ela insistia que ele devia ler e que, algum dia, a leitura ainda mudaria a sua vida. No começo, o homem não dava muita bola. O tempo foi passando e ele, que nunca fora muito afeito aos livros, praticamente se esqueceu do vaticínio.

Mais tarde, já viúvo, Sebastião arrumou um emprego de zelador em um prédio de famílias de classe média. Ali, o agora funcionário registrado em carteira assistia sempre a uma mesma cena, que se repetia com uma frequência que incomodava até ele próprio, que nem tinha tanta intimidade assim com essas coisas de literatura, personagens e histórias de faz de conta.

Mas doía de ver os moradores entulhando pilhas e mais pilhas de livros e revistas nos latões de lixo do condomínio. Livro de todo tipo: clássicos, escolares, dicionários. Seja lá o que fosse... Aquilo o aborrecia. Veio à mente a velha ladainha da antiga esposa. Um dia ele resolveu que recolheria aqueles livros e revistas abandonados à sorte. Por conta própria, passou a organizar no condomínio sua pequena coleção, que, graças ao desprezo alheio, não parava de crescer.

Mas logo Sebastião começou a perceber que, o que não servia para uns, atiçava a curiosidade de outros. Das faxineiras do condomínio, por exemplo. Essas disputavam quase a tapas as revistas resgatadas por ele do lixo do lugar.

Por fim, o zelador concluiu que aquele material descartável nem era tão descartável assim e que, ao contrário, podia alegrar a vida de alguma gente. Então, em vez de buscar no lixo, agora era ele quem batia de porta em porta atrás de doação de livros em desuso.

Já que aquela maluquice toda fazia certo sucesso entre os mais pobres, Sebastião decidiu que era hora de ser mais ousado. Pegou os livros e revistas e passou a exibi-los em algumas praças da periferia da cidade.

Bingo! As pessoas não só gostaram como trataram de ajudar a espalhar a boa nova. Em pouco tempo, já eram mais de 300 famílias, com uma insaciável fome de ler. A coisa cresceu de tal forma que virou projeto da prefeitura de Cravinhos, cidade do interior paulista onde ele vive.

Qualquer um podia levar qualquer publicação para casa e só devolver na semana seguinte. Ao contrário do que imaginava, depois de tanto ouvir da boca de pessoas mais abastadas do que ele, Sebastião faria uma descoberta inesperada:

- O povo pobre também quer ler...

Foi a essa conclusão que, inadvertidamente, Sebastião chegou. E quando a prefeitura anunciou que deixaria o projeto, o zelador não teve dúvidas. Saiu em busca de mais doações – desta vez, tijolos, areia, cimento e, em pouco tempo, ergueu um puxadinho no quintal de casa. Montou lá uma biblioteca comunitária, tendo como ponto de partida os mais de 4 mil livros e 2 mil revistas acumulados pela vida afora.

Surgiria, assim, a Biblioteca na Calçada, que rapidamente virou mania no Jardim Berbel 2, na periferia de Cravinhos, pertinho de Ribeirão Preto. Hoje em dia, os toldos azuis ficam repletos de crianças e adolescentes leitores da vizinhança. Eles vão até lá, nos finais de semana, para ouvir histórias e vasculhar nas estantes.

Sebastião não tem mais sossego: a qualquer hora do dia ou da noite sempre aparece alguém na porta de casa atrás de um livro. É o que dá mexer em vespeiro... Mas disso ele não reclama:

- Eu não tenho coragem de negar um livro...

Hoje casado com uma professora e pai de dois filhos, o bom zelador continua, pacientemente, a juntar livros. Seu desejo é um dia ter uma biblioteca bem grande. Que, como cantaria o poeta, continuará a cuidar com o carinho e com o zelo de quem carrega o andor.