- Valéria, será que, um dia, vou poder te namorar? - pergunta Igor.
    A jovem se assusta com a pergunta do amigo. Sabia, lá no fundo, que guardava por ele um sentimento especial. Que coisa estranha era aquela que surgira em seu coração? Não sabia e, tampouco, tinha medo de tentar algo mais ousado com o amigo, pois, como pensava: "poderia estragar a amizade". Ela segura a mão de Igor e diz:
    - Não sei, Igor... não sei. O que posso dizer é que guardo um carinho muito especial por você. E não quero perder sua amizade.
    - Nossa amizade será eterna, minha linda! - responde o amigo.
    Naquela noite, Igor ficara até tarde da noite no computador, pois estava terminando um trabalho da faculdade. Geralmente, não deixava coisas para a última hora, mas os sentimentos que lhe estavam aflorando destruíram completamente sua rotina, pois, a todo momento, via-se pensando em Valéria: fosse em seu sorriso, em seus desabafos, em sua pele... queria controlar-se, pois não podia deixar aquilo virar uma paranoia; sabia que, se fosse para algo acontecer, teria de ser de uma forma natural.
    O relógio marca duas horas da manhã, quando Igor termina seu trabalho. Exausto e com uma dor de cabeça tremenda, ele desliga tudo e se deita, já sabendo que o dia seguinte seria difícil. As horas passam como se fossem minutos, e o despertador toca.
    - Nossa... que noite mal-dormida! - reclama o jovem.
    Rapidamente, toma um banho gelado. O calor da noite o deixara num estado ainda mais deplorável; cansaço e desânimo tomavam conta dele. A água fria servia para lhe purificar a alma. "São como mãos angelicais massageando o corpo" - pensava ele. Exuga-se, desce e toma seu café. Não há tempo para que sente e ouça as reclamações da mãe, que já estava acordada há muito mais tempo. Ela arrumava encrenca com a vizinhança e, em seguida, vinha desabafar com o filho, que já não podia (nem queria) lhe dar muita atenção.
    Chega no serviço e olha para fora da janela, avistando um casal de pombos no fio de eletricidade. Fica alguns segundos observando aquela cena; sente-se como se quisesse estar no lugar de uma das aves.
    Outro dia, mesma rotina. Sente-se o pior dos mortais... "ser mortal" - pensava ele. "Ainda bem que somos assim" - filosofava.
    Abriu a mochila, e viu os comprimidos bem acomodados. Sabia que não deveria tomá-los, mas algo dentro de si o instigava. Queria experimentá-los, provar das consequências do ato. "Será que devo?" - questionava-se.
    Na hora do almoço, as mesmas pessoas, a mesma comida, as mesmas conversas e as mesmas piadas. Vê que somos nada mais do que uma repetição constante de atos fúteis e estúpidos. Às vezes, Valéria surgia em sua mente... todavia, essa era uma repetição de que ele fazia questão de não reclamar.
    O dia passa como uma sessão de tortura e termina como tal: chuva, trânsito engarrafado e condução lotada. A vontade de Igor era a de sair passando por cima de todo mundo, fossem quem fossem os que estivessem em seu caminho. "Se ainda fossem pessoas com o mínimo de educação... parecem mais uns aborígenes!" - pensava.
    De noite, passa na faculdade e deixa o trabalho com um amigo para que entregasse ao professor, pois estava sem nenhum ânimo para assistir àquela aula. Corre para casa, pegando mais um ônibus lotado. Conforme os pontos iam passando, conseguiu um assento. Ali, cochilou.
    Passada uma meia-hora, chega em casa. Sua mãe havia deixado as panelas no fogão, mas nem se deu ao trabalho de requentar a comida, pois não tinha fome. Como um relâmpago, vai para o quarto, engole alguns comprimidos com um pouco de água, apaga a luz e se deita. Para ele, aquilo tudo terminaria logo. Era o adeus final que dava à monotonia, à mediocridade humana. Nem mesmo quis deixar uma carta repleta de "porquês", pois achava ser uma bobagem. Fez porque fez... porque quis.
    Dias depois do enterro do grande e amado amigo, Valéria abre um caderno e começa a estudar, pois as provas semestrais se aproximavam. Sentia um vazio imenso, mas não queria que esse fato a atrapalhasse em seus estudos, em sua rotina. Coloca um som, liga a televisão, vai pro computador... não consegue se concentrar. Deita-se novamente, dessa vez de bruços e abre o caderno mais uma vez, tentando, ao menos, verificar do que se tratava a matéria. Começa a folheá-lo, e vai para as páginas finais, onde lê várias anotações, rabiscos e mensagens de amigos; inclusive uma que lhe houvera passado despercebida até então. Lá estava:

    "Val,

        te amo demais... não posso ficar sem você. Namora comigo?

                    Igor
"