Raimundo Carrero

Quando penso no tempo de um romance - novela ou conto - nunca me preocupo com o começo, o meio ou o fim de uma história. Ou seja, no tempo cronológico. Não é isso. Em absoluto. Quando penso no tempo de um texto de ficção, quero saber como o narrador é capaz de fazer uso deste problema que exige a maior perícia possível: o tempo. Preocupo-me com as mudanças, as alternâncias, um tipo de estratégia que embora não complique a vida do leitor, seja capaz de tornar a estrutura mais criativa e mais sólida. Mais inventiva. Um tempo que, sendo cronológico, também seja psicológico nas suas imensas variações. Tudo isso sem causar danos ao leitor.

Assim, rapidamente: quando o navio que conduz Frédéric Moreau, de Educação sentimental, de Flaubert, parte de Paris, no começo do livro, em direção ao lugarejo onde ele mora com a mãe, é espaço em movimento ou tempo? Mais didático: um navio é espaço, sim, sem dúvida, é espaço concreto, compreendemos. Mas quando ele se move e, portanto, sai de um princípio para o fim, ele conduz Frédéric para um futuro - sai de um presente que se torna passado e segue para um futuro que é também passado e que, em algum momento, foi futuro, seria futuro? -, o navio - preciso repetir o nome - é um espaço que se move ou um tempo que se esvai? No terreno da filosofia teríamos muito que pensar - e do que tratar -, mas voltemos para o campo da ficção, que é nosso terreno específico. E, mais ainda, para um espaço jornalístico limitado.

Como um narrador pode fazer uso desses conceitos? Ou como, especificamente, Flaubert faz uso desses conceitos? Como é que fica? Não precisa ninguém ficar brabo comigo porque trato tempo e espaço como conceitos. Tempo e espaço são vida e com eles que vivemos. Há muita divergência em torno do assunto, e é melhor não complicar mais. Basta que o leitor pense comigo a respeito da ficção. E já é demais, não é? Sei, eu sei, que há também o conceito de Zenão a respeito da flecha. É assunto que me preocupa. Como sei que existe quem diga que não existe o tempo e apenas o espaço. Mas também temos o nosso espaço e precisamos ocupá-lo. Tudo bem. Pouco a pouco vamos colocando os pés no chão, mesmo que a minha reflexão não seja tão leve assim, a partir da questão do navio em Flaubert, assunto que também preocupou Proust, que diz ter aprendido muito com Flaubert, o velho mágico da mata francesa. Afinal, ele não morava em Paris, não é mesmo? Morava no campo. Num lugar distante. Na sua mata. Mesmo metafórica.

Mas o navio está ali parado quando começamos a ler o romance e entre os passageiros está Frédéric, com todo o seu tédio e toda a sua angústia, que se ampliarão nas páginas seguintes, embora não seja descrito, nem ele nem nenhum outro personagem importante. Então o personagem e o navio estão em repouso, num ponto fixo, num cenário humano, conforme classificação exposta no nosso livro A preparação do escritor. Em repouso, sim. Mas quando o navio faz a trajetória entre Paris e o lugarejo é somente espaço ou, mais adiante, espaço em movimento, o que não deixa de ser tempo? Como fica? É por isso que Proust diz que apreendeu ali a tratar o tempo, posteriormente, em Em busca do tempo perdido. E esse é um problema do escritor? Ou, ainda um pouco adiante, do narrador?

Sim, é um problema do narrador. Pode-se encontrar uma solução intuitiva ou não. Porque, ao se mover, o personagem não perde o espaço - que, no entanto, vai se alterando - e se move no tempo. Embora sem carga dramática, ele vai inconscientemente tratando do problema principal do episódio: vai contar à mãe qual o resultado da conversa que tivera com o tio a respeito da herança da família. Este, no tempo, assunto principal, é mostrado, rapidamente. No quarto parágrafo do primeiro capítulo:

"A mãe dera-lhe a quantia exata para ir ao Havre visitar o tio, cuja herança esperava que viesse a caber ao filho".

E apenas isso. Nesse momento, causa uma profunda inquietação no leitor, porque a conversa não é revelada, o resultado fica em silêncio, ninguém sabe o que aconteceu. E é um drama familiar. No espaço, ou no navio, Frédéric gasta o seu espírito romântico com amores, ou com seu amor pela senhora Arnoux, com leveza, simplicidade e simpatia. O problema central, a herança, fica completamente esquecido. Um autor comum diria: "E o tempo passou". Pelo amor de Deus, nunca diga isso. Deixe o tempo passar, inevitável. Ele passa, passa mesmo, não precisa que você diga nada. A ação ou as ações explicam. Durante a viagem, parece que nada acontece quanto à preocupação com a herança. Porém, na mudança de espaço - do navio para a casa da família, aí o navio passa por uma espécie de metáfora: o tempo se movendo e no movimento a manifestação dos sentimentos, e no tempo o desprezo pela matéria embora ela exista. É a mãe quem carrega a tensão narrativa, mesmo ausente do texto naquele navio - se dá o deslocamento radical do tempo. Não do tempo cronológico, mas do tempo psicológico, volto a repetir: o tempo da ansiedade da mãe, que sequer está nas cenas anteriores. Mas ele entra no salão, sem nenhum sinal aparente de preocupação, e ela pergunta:

"E então?"

A resposta do narrador e não do personagem:

"O velho recebera-o com toda a cordialidade, mas sem revelar as intenções.

A senhora suspirou".

Percebemos, então, que o espaço se alterou completamente, mas o tempo psicológico continua. Isto é, continua desde a leve informação do objetivo da viagem para a densidade dramática do problema familiar que permaneceu como se o tempo não passasse. Da forma mais leve possível.

Então podemos dizer que houve uma mudança no espaço - Paris, navio, salão -, houve uma mudança no tempo cronológico - o tempo da visita ao tio e da viagem -, mas nenhuma alteração no tempo cronológico, tratado com habilidade de pano de fundo. De passado, embora com futuro e com sempre. Assim? Invertido? Assim mesmo. Percebam bem: a preocupação da mãe está mesmo antes de começar a narrativa, continua no navio, até chegar numa das cenas finais do primeiro capítulo.