[Galeno Amorim]

Por Galeno Amorim

Flávio é um bom menino. Educado e atencioso, ele está sempre ligado nas explicações da professora. Tem aulas pela manhã e à tarde e dá um duro danado pra dar conta de tudo.

Todo santo dia o menino pula da cama às quatro da manhã. Só lá pelas oito da noite é que ele conseguirá voltar pra casa. É quando ele, então, janta, descansa um pouco e já começa a se preparar para a maratona do dia seguinte. É uma jornada e tanto.

Flávio viaja diariamente entre São Joaquim da Barra, onde mora com a família, no interior de São Paulo, e Ribeirão Preto, onde ele estuda.

De manhã, o menino está matriculado na EMEF Raul Machado, uma escola pública do bairro de Santa Cruz do José Jacques, onde tem aulas regulares. Depois do almoço, frequenta os cursos de canto, informática, atividades manuais e muito mais.

Flávio dos Santos não faz a menor ideia do que vai ser quando crescer. Só tem um sonho: gostaria de ser cantor. Um cantor de música gospel.

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Pelo menos duas vezes por mês, Flávio vai com os amigos à biblioteca. Lá, está sempre à cata de algum livro novo. Ultimamente, andou lendo Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Agora, embora não tenha mais do que 10 anos, ele anda muito interessado em livros para garotos mais velhos do que ele. Andou experimentando livros do Pedro Bandeira recomendados pelos amigos de mais idade, com aventuras de adolescentes sobre amizade, namoricos e coisa e tal.

Ele gosta mesmo é de ler.

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E por que será que Flávio dos Santos faz tanta questão assim de ler? Por uma razão simples, como ele próprio explica, na sua simplicidade avassaladora: só assim, ele diz, ficará mais sabido e com mais chance de ser alguém na vida. Simples assim...

Menino esperto com uma vida entre amigos e brincadeiras próprias da idade, Flávio dá sempre jeito de ficar perto dos livros e se deliciar com a leitura.

Como ele faz isso?! De duas maneiras: tem horas que esfrega o dedo indicador no papel saliente e vai decodificando, palavra por palavra, até que forma frases inteiras e mesmo pensamentos; em outras, quando se cansa um pouco da rotineira leitura pelo sistema braille, que aprendeu para se alfabetizar, ele põe um audiolivro no tocador de CD.

Cego desde que se deu por si, nessas horas tudo, então, parece ficar mais claro pra ele. E Flávio pode curtir a doce sensação de enxergar longe e contemplar seu admirável mundo novo.

Assim, quase sem tempo pra ler, com um acervo limitado de livros a sua disposição e um sem-fim de dificuldades, Flávio, leitor e cidadão, dá uma lição diária pra muita gente.

Ele, decididamente, é o cara!

PS: Flávio dos Santos frequenta a Adevirp, a Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto, uma ONG que faz um bonito trabalho com pessoas de baixa visão ou cegas como ele.